Enfim, o balanço da viagem à China não foi muito favorável a Michel Temer. Cometeu uma gafe com a indústria nacional comprando um sapato chinês, arqui-inimigo do emprego nas indústrias do país, não ficou bem na foto – literalmente –, deu declarações pouco informadas e inspiradas sobre os protestos contra ele no Brasil. Mas na volta, fez o que se esperava que fizesse: decidiu que a proposta de reforma previdenciária vai sim, para o Congresso, antes das eleições municipais. Deu a maior demonstração de inteligência política: aprendeu com os erros alheios. Evitar desgastes no período pré-eleitoral detona o capital de credibilidade de qualquer governante, tenha sido individualmente legitimado por votos ou não.
Embora já se saiba bastante sobre as ideias da reforma no sistema de aposentadorias, nada substitui um texto que mostre o tamanho preciso das mudanças, sem esconder onde contraria interesses nem permitir que seus efeitos negativos sejam exacerbados. O que se sabe: idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, tratamento diferenciado, com o famoso “pedágio” para quem já completou 50 anos, ou 45 anos no caso de mulheres e professores.
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Em seu discurso de posse, Temer havia mencionado a necessidade de uma campanha de esclarecimento sobre as medidas mais urgentes: o teto para as despesas públicas e a reforma da Previdência. Até agora, vem perdendo a batalha pela opinião pública. Tudo o que se vê é o corte de benefícios. Porta-vozes do governo são vagos, falando em escolhas entre “o passado e o futuro”, mas esquecem o principal: os brasileiros precisam saber que se gasta com previdência no Brasil mais de cinco vezes o que se gasta com educação, a segunda maior fonte de pagamentos da República.
O presidente interino recém-transformado em substituto tem pouco tempo – 28 meses – para tentar adotar medidas que consolidem um princípio tímido de recuperação cíclica da economia. Não terá fôlego e tempo para fazer todas as reformas com que acenou a seus apoiadores, especialmente os empresários. O novo figurino é justo, mas precisa ser digno. Sem um programa de governo chancelado pela votação popular, Temer tem de convencer que está dando a melhor opção para sair da crise. Oferecer a oportunidade do debate público antes da votação é um bom caminho – ainda que, outra vez, o tempo e o traje sejam justos.