Graduado em Ciências Econômicas pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (1998) e doutorado pela UFRGS, Cristiano Aguiar de Oliveira dedica-se a estudar temas pouco comuns entre seus colegas economistas: crime, violência e vitimização, com um olhar mais amplo para a vida nas cidades e crescimento econômico. Neste momento em que a prioridade mais urgente é a segurança, todas as abordagens para obtê-la são necessárias, por isso e a coluna procurou Cristiano para dar sua contribuição, sob um ponto de vista mais racional em meio a tanta controvérsia.
O que é economia do crime, e por que estudá-la?
A economia do crime parte do pressuposto de que qualquer indivíduo é um potencial criminoso se o benefício for maior do que o custo. A partir daí, tudo começa a ser discutido. Dentro dos custos, podemos incluir vários indicadores, como renda e emprego. Colocamos esses aspectos no que chamamos de custos de oportunidades. Por exemplo, o indivíduo tem uma alternativa no mercado legal e outra no mercado ilegal. Por que ele opta pelo ilegal? Quando o desemprego aumenta, há mais pessoas com custo de oportunidade menor. A pessoa não teve chance, não teve oportunidade. Ou seja, tem baixo custo de entrada na criminalidade.
Isso significa que a crise econômica tem peso no aumento da criminalidade?
Provavelmente a crise tenha efeito. Mas temos que ter cuidado. Em uma crise de desemprego, quando as pessoas migram do setor legal para o ilegal, há um custo. Esse custo envolvido é de execução e planejamento do crime. As pessoas, depois de perderem o emprego, não saem roubando. É claro que a pessoa com antecedentes tem facilidade maior de voltar a esse mercado.
É conhecimento acumulado no crime?
Isso. Essa pessoa sabe como praticar crimes. Mas tenho muita restrição ao pensamento de que o aumento de roubos está ligado a uma questão econômica. Também tem relação com outros fatores. No roubo, não é apenas a questão do crime em si. O criminoso que se envolve com essa atividade, que é violenta, tem em mente que poderá encontrar reação. É claro que tem uma vantagem muito grande, que os economistas chamam de first move advantage (a vantagem do primeiro movimento). Ou seja, o criminoso escolhe quem vai roubar. Obviamente, há uma uma faixa da população mais vulnerável, crianças, idosos, adolescentes, mulheres.
Quais são os fatores não relacionados à crise econômica?
Um é a punição. Encaramos a punição de duas formas, a severidade e a probabilidade. Se pensarmos nesse período recente, houve poucas mudanças nas punições. Nada que significasse mudança radical no volume de crimes. Está mais associada à probabilidade da punição. Envolvem várias etapas, desde identificação do indivíduo, inquérito, processo no Ministério Público, sistema carcerário. Um emaranhado que é bem mais complexo.
Quanto maior a impunidade, maior o incentivo ao crime?
Esse é outro aspecto que estudamos, o crime como uma carreira. Ninguém pratica roubos de forma esporádica. Tanto em furtos quanto em roubos, temos vários criminosos de carreira. Optaram por essa atividade como trabalho. A incapacitação que a prisão traz seria um instrumento importante para redução da criminalidade. Não no sentido de colocar essas pessoas na cadeia para sempre. Nesse sentido, não podemos esquecer que prender tem custo, e bastante alto, para a sociedade, que paga em tributos. Estudos mostram que as carreiras no crime não duram muito. Os levantamentos mais generosos apontam para 12 anos. Dependendo do tipo de crime, oito anos. O criminoso acaba preso ou morre. Essa análise levaria à conclusão de que não faz muito sentido prender por muito tempo essa pessoa porque a carreira não duraria muito. Vários dos indivíduos com mais 30 anos, por exemplo, desistiram. Morreram, foram presos ou, por questão de vida, mudaram de comportamento. Tem uma faixa etária crítica, de 18 a 25 anos, em que a maior parte da criminalidade se concentra.
Como a economia do crime vê os sistemas prisionais?
Duas coisas são relevantes nessa questão. Existe um mercado de crime, de demanda e oferta. Há um potencial a ser roubado, que dá dinheiro. Quando uma pessoa é presa, há espaço para que outra ocupe esse lugar. Policiais costumam dizer que, ao prender alguém por tráfico de drogas, enxugam gelo. Todos os crimes têm mercado, e o encarceramento apresenta os seus limites. A taxa de encarceramento tem de ser maior do que a taxa de pessoas dispostas a entrar nesse tipo de crime. No tráfico, fica evidente um grande problema. Quase metade de um centro prisional é formada por detentos por drogas, e, mesmo assim, o volume só aumenta na sociedade. O encarceramento não acompanha o ritmo. Em outros crimes, como roubos e furtos, funciona melhor. Roubo é um crime que preocupa muito a sociedade. O criminoso não leva só carteira, celular, também deixa um trauma na vítima. A incapacitação seria uma forma de reduzir esse tipo de crime. O que vemos na literatura é que o encarceramento reduz criminalidade. Mas tem que ser em volume suficiente para desincentivar o crime.
É mais difícil criar mecanismos contra crimes esporádicos?
A sociedade reage, as pessoas mudam hábitos. Alguns números mostram como os indivíduos reagem diante da alta criminalidade. Segundo a Pesquisa Nacional de Vitimização, com dados ainda de 2012, 77% dos entrevistados não saíam de casa com muito dinheiro, 73% evitavam locais desertos, e 67% procuravam não sair à noite ou voltar tarde para casa. Além disso, 54% deixaram de ir a alguns locais, 52% evitavam pontos com grande concentração de pessoas, 45% não iam a certos bancos, e 25% evitavam algum meio de transporte coletivo. Ou seja, as pessoas perdem liberdade com o aumento dos crimes.
O que funciona melhor, presídios com controle público ou privado?
Nos Estados Unidos, há incentivos para o sistema privado. Criou-se a ideia de que, quanto mais presos, e mais tempo ficassem atrás das grades, seria melhor. As empresas fizeram lobby muito forte no Congresso americano para que não houvesse redução das penas, nem redução da possibilidade de punição. Estava ficando muito caro. No Brasil, estamos em estágio muito diferente. Há um déficit prisional enorme. O Estado não tem recursos para novos complexos de detenção. Uma das grandes barreiras para construção de presídios é a escolha dos locais. Municípios não querem receber presídios. O Estado não tem como criar sistemas de incentivos para que as cidades os recebam. E não conseguimos construir. Temos que resolver esse nó. Se o presídio vai ser público ou privado, pouco interessa. Precisamos hoje, e isso é inquestionável, de presídios. Podemos discutir o que vai sair mais barato para o Estado. Se o governo não tem recursos, a iniciativa privada é uma alternativa. Pensando no Rio Grande do Sul, talvez essa fosse a melhor opção. Mas, com o tempo, a tendência é de que os presídios privados fiquem mais caros.
Por quê?
Devido a uma série de fatores. Há incentivos para manter as pessoas mais tempo presas. E os presídios privados ofereceriam uma qualidade de serviços melhor do que a prestada pelo Estado. Não haveria tantas fugas, por exemplo.
Qual o papel da segurança privada em momentos de aumento na criminalidade?
É uma questão difícil. A segurança privada hoje tem um efetivo três vezes maior no Brasil do que o efetivo da segurança pública. Temos três pessoas na segurança privada para uma na pública. Complementa o trabalho na prevenção. Os dispositivos observáveis, como guaritas, sistemas de alarme visíveis, não têm efeito sobre o crime como um todo. As não observáveis podem diminuir a criminalidade porque o criminoso não sabe se as possíveis vítimas têm essas tecnologias. Pode fazer com que ele não cometa o crime. A segurança privada não substitui a segurança pública no pós-crime. É, na verdade, pré-crime. O nosso maior problema hoje está no pós-crime, que concentra tudo: polícia, perícia, tempo de resposta. Tudo isso é importante para reduzir essas ações. Mas é um processo muito complicado. Em alguns casos, é difícil materializar as provas. Isso explica, em grande parte, por que temos tantas prisões que envolvem drogas, cujas provas são fáceis de apontar.
O mercado de receptação é outro incentivo para o crime?
Sem dúvida. Enquanto houver gente comprando, haverá gente ofertando. Quem vende algo roubado precisa de um fornecedor, de alguém que cometa os crimes.
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Qual a contribuição dos estudos sobre a economia do crime?
A forma de montar raciocínios, a capacidade de atacar os pontos que consideramos frágeis ou que precisam ser melhorados. Vale ressaltar que essa análise de custo-benefício não funciona para uma série de crimes, principalmente os muito violentos, que envolvem fatores como impulsos e questões passionais, que estão além do raciocínio lógico. Temos uma quantidade absurda de crimes. No Rio Grande do Sul, foram mais de 60 mil roubos e mais 165 mil furtos em 2014. No Brasil, mais de 1 milhão de roubos por ano, segundo números de 2013. Hoje devemos estar na casa de 1,5 milhão. Ninguém faz isso por impulso nessa quantidade. A economia do crime ajuda a entender os comportamentos.
É mais importante que as penas sejam cumpridas do que agravadas?
Sem dúvida. E alterar a probabilidade de punição. O indivíduo deve enxergar que existe punição. Mas isso não é a única solução. São muitas necessidades. Não há solução mágica. Não basta mudar a legislação de armas, modificar a maioridade penal. Temos de atacar essa situação em várias frentes, entre as quais a econômica, com emprego, renda e oportunidades. É óbvio que isso também é importante. Faz parte do conjunto, que também leva em conta as punições.