Mesmo sabendo que a decisão do Senado está tomada, precificada e boa parte do país já está focada nos dias seguintes ao resultado da votação, Dilma Rousseff não seria quem é se não fosse ao Senado fazer sua defesa. A quem a conhece pouco, explicou outra vez porque a renúncia não faz e nunca fez parte de seu repertório:
– Jamais o faria. Nunca renuncio à luta.
Sem grandes surpresas, o discurso de Dilma cumpriu seu papel de marcar sua posição para a história – e, ao que consta, para o documentário que o PT estaria gravando nas sessões do Senado. Foi tão previsível que a bolsa, que assumiu desde a reeleição uma ''posição vendedora'' em relação à presidente afastada, subiu durante quase todo o pronunciamento, com raros soluços, e fechou com avanço de 1,55%. Foi uma alta sólida e constante, de quem se tranquiliza com o futuro das apostas.
Mais inesperada, talvez, tenha sido a aparente concessão à emoção, outro traço de personalidade que Dilma nunca quis reforçar em público. Por duas vezes – ao mencionar sua contribuição para a exposição do Brasil em grandes eventos esportivos e ao mencionar pela segunda vez sua sobrevivência à tortura e ao câncer –, a presidente afastada embargou a voz e encheu os olhos de lágrimas.
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Editorial: Sessão para a história
Mesmo cedendo a uma emoção genuína ou programada – anunciava-se, dias antes, que o discurso seria ''emocional'' –, Dilma não abdicou de sua natureza lógica na que foi provavelmente sua última manifestação pública como presidente, ainda que afastada.
Sem deixar de citar as alegações do impeachment, mostrou ter entendido as reais motivações do processo: a crise econômica e o ''conjunto da obra'' – equívocos em medidas econômicas, inabilidade de interlocução política que levou à falta de sustetanção parlamentar, excesso de microgerenciamento, a crise em que o país afundou em suas mãos.
Sustentou que é ilegítimo afastar um presidente por esses motivos, mas preferiu passar pelos argumentos técnicos do processo com quase tanta sem-cerimônia quanto os parlamentares. Sabe que não deixará o Planalto porque deu crédito para o Plano Safra, reivindicação de boa parte de seus opositores. Sabe que a crise internacional teve um papel, mas não de protagonista, no conjunto de erros que levaram o Brasil à maior e mais ameaçadora crise da história recente. Só o que vai disputar, agora, é o tom de seu capítulo na história.