O plano do ex-secretário da Fazenda do Estado Aod Cunha, que tentou implantar o conceito de déficit zero no Rio Grande do Sul a partir de 2007, é falar sobre cenário global na palestra desta quarta-feira na Federasul. À coluna, aceitou falar sobre o tema que mais angustia os gaúchos nestes dias de crise dramática nas finanças do Estado. Pós-doutor em Economia pela Universidade de Columbia (Nova York, EUA), Aod deixou a secretaria pouco antes de o próprio governo que integrava abandonar o plano, passou pelo banco BTG Pactual, e atualmente cumpre período sabático e de estudos. No dia 15, Aod também estará no sétimo Colóquio do Fórum da Liberdade, no Hotel Sheraton, com o tema Fundamentos para a Retomada.
Não tem mais mágica
Ninguém deveria estar chocado com a crise das finanças públicas do Rio Grande do Sul. Para quem acompanha, a situação era bastante óbvia. O problema é que as pessoas simplesmente não acreditam. O Estado cavou esse buraco, deu aumentos que não poderia ter dado. Agora, não tem mais mágica. Nós mesmos criamos essa crise, e agora a conta chegou. Se a política de déficit zero tivesse sido mantida, não estaríamos nessa situação, de jeito nenhum. São escolhas que a sociedade faz. Um ex-governador disse que era contra o déficit zero, que era preciso um "déficit social". O resultado está aí. A culpa não é só de um ex-governador, a principal responsabilidade é da sociedade gaúcha. A gente só reclama quando chega o caos, quando o Estado não tem dinheiro para pagar, é preciso empréstimo no Banrisul. Quando o Estado se endivida, a sociedade não se mobiliza. Em todo o Brasil é assim. Nossa sociedade ainda é infantil, talvez porque nossa democracia ainda seja jovem.
Chegou ao limite
A gente acha que o Estado pode tudo. Não pode dar vários benefícios, aposentadoria precoce, incentivo fiscal. No final, não consegue fazer nada. A sociedade vai ter de fazer esse tipo de escolha. No Brasil, existe a ideia de que, quando se escolhe o governante, a responsabilidade é toda dele. Tem de resolver e, em quatro anos, voltamos a votar. Não temos maturidade de cobrar o tempo inteiro, para não gerar mais aumento de impostos lá na frente. Tenho dito, inclusive em encontros com empresários, que não adianta reclamar de aumento de imposto quando o déficit já está instalado. A culpa não é deste ou daquele governo. A sociedade gaúcha tolerou isso, agora vai ter de resolver, e não há solução fácil para um problema complexo como esse. A resposta são reformas duras, a previdenciária, discutir quais são os direitos adquiridos que podem ser preservados, quais não podem, qual o papel do Estado. Essa é uma discussão difícil, que foi adiada por muito tempo. Agora, chegou ao limite.
Melhora momentânea
Nos últimos dois séculos e nas últimas três décadas, o mundo ficou incrivelmente mais rico. Até 1800, as pessoas viviam com até US$ 3. A dificuldade que tivemos, a partir de 2008, foi de manter esse ritmo de crescimento. Vários países chegaram a um nível de prosperidade e crescimento que torna relativamente mais fácil enfrentar essa situação. Outros ficaram no meio do caminho. O que o Brasil pode aprender é que alguns países ficaram velhos e ricos e outros ficaram velhos sem terem enriquecido. No Brasil neste momento, os sinais de reação são muito mais fruto da melhora relativa momentânea no cenário externo do que melhoras de fundamento interno. Temos pela frente o grande desafio das reformas. Mas essa melhora em bolsa, no dólar, é grande responsabilidade do cenário global de relativa estabilidade, apesar dos desafios. É resultado da percepção da maioria dos analistas de que o conjunto de estímulos de Japão, Estados Unidos e Europa vai durar mais tempo. Mas é preciso entender que isso é relativamente momentâneo. No curto prazo, vamos ter melhoras relativas na bolsa, no câmbio, dependendo da melhora ou piora do cenário externo. No longo prazo, vai depender do que fizermos aqui mesmo.
Risco EUA, risco Trump
Apesar de todas as regiões estarem mais estáveis, quem está relativamente melhor são os Estados Unidos. O que preocupa mais é a eventual necessidade de subida mais rápida do juro. Hoje, o mercado trabalha com postergação ou subida muito lenta. Por isso, há liquidez abundante e fluxo positivo para o Brasil. Se a subida for mais rápida, antes que as reformas sejam feitas aqui, o cenário de calmaria se complica. Lá fora, os maiores riscos são China e Europa. Considero a possibilidade de eleição de Donald Trump um desastre. Não sou fã de Hillary Clinton, mas, no mundo de hoje, não só do ponto de vista de avaliação de riscos econômicos, existem riscos geopolíticos, mais relevantes para o cenário. Fazia tempo que não se percebia um movimento mais autoritário. Tínhamos Putin, agora temos Erdogan. A última coisa que poderia ter para pensar seria ter como líder da maior economia mundial alguém com o perfil de Trump. Isso coloca mais incertezas e riscos na economia global. O mercado não gosta muito de Hillary, por considerá-la muito intervencionista, mas Trump representa mais riscos para a estabilidade geopolítica.