Há três meses na presidência da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini tornou-se personagem do que deverá ser a alavanca para a retomada do crescimento no Brasil, os investimentos em infraestrutura provenientes de concessões para melhorar a eficiência e a produtividade no país. A entidade estima que, nos próximos quatro anos, podem se tornar viáveis projetos que movimentem R$ 400 bilhões. Para Tadini, que como diretor do banco Fator participou da privatização de 13 estatais, é uma projeção conservadora. Caso se confirme, pode assinalar um novo ciclo para o país, mas o executivo adverte que é preciso reorganizar a capacidade de planejamento para fugir de voos de galinha – curtos períodos de crescimento interrompidos.
Confira a entrevista:
O Brasil precisa de projetos de infraestrutura e há investidores interessados. O que está faltando?
É uma pergunta ampla (risos). Antes de tudo, é preciso ter um planejamento bem estruturado, definindo as prioridades com os projetos estruturantes que possam aumentar nível de eficiência e produtividade. O que tivemos no passado recente foi mais uma pilha de projetos colocada dentro de um programa, sem sentido de prioridade em relação a impactos na economia, em eficiência, produtividade. É preciso recuperar essa capacidade de planejamento. Temos visto, em infraestrutura e logística, a EPL (Empresa de Planejamento e Logística, do governo federal) conduzindo o processo. Já nos mostrou uma primeira apresentação, simplesmente recuperando capacidades de definir prioridades nas várias regiões, onde você tem efeitos importantes sobre os produtos que são produzidos nessas regiões. Esse é o primeiro ponto. A segunda questão está ligada à estrutura de financiamento desses projetos. Primeiro, têm de ser de boa qualidade. Segundo, detalhar esses projetos com nível de maturidade adequado, em termos de análise de viabilidade, questão ambiental, desapropriação. Aí você tem condições de começar a estruturar a parte do funding (recursos) para desenvolver. Uma questão fundamental é que seja possível, com estrutura de garantias, seja Fundo Garantidor de Infraestrutura, cobrir riscos não gerenciáveis. Você ter condições de estruturar financiamento de longo prazo.
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Qual o grande desafio de financiamento?
A grande preocupação que existe, quando a instituição financeira dá um financiamento de longo prazo, é o período de construção de investimento na concessão de um projeto. Nesse período, é importante para que seja possível ter uma estrutura de financiamento como project finance non-recourse.
O que é isso, exatamente?
É quando você utiliza como garantia do projeto as receitas futuras derivadas. E também as próprias ações da SPE (sociedade de propósito específico, ou consórcios montados para tocar um projeto). Ou seja, não precisa de garantias corporativas. Se o controlador tem de fazer isso, imobiliza seu balanço financeiro, e ele não vai conseguir desenvolver outros projetos. No ciclo em que estamos, esse modelo de financiamento com garantias do controlador se esgotou. Nesse ciclo novo, com novos investidores estrangeiros que poderão vir, deverá ser sob a forma de private equity(fundos que assumem fatias de projetos). Esses fundos não podem dar garantia corporativa. Estão habituados a trabalhar internacionalmente com garantia de receitas futuras e as participações da própria SPE. Por isso, o projeto tem de estar bem analisado, e as garantias, muito bem amarradas. Daí a importância do performance bond (espécie de seguro-garantia), da cobertura dos riscos não gerenciáveis, como desapropriação, meio ambiente e assim por diante.
A Abdib tem uma estimativa de projetos de infraestrutura de R$ 400 bilhões. Em que tempo e em que áreas?
Nas áreas de transporte – rodoviário, ferroviário, hidroviário – portos e aeroportos. E em um prazo de quatro anos.
É viável mobilizar essa quantia em quatro anos?
Não tenho dúvida. Até acho que é muito pouco. Se você levar em consideração que o país tem hoje um PIB de quase R$ 6 trilhões, para ter um produto potencial que permita crescer de 3% a 4%, é preciso investir mais de 20% do PIB, o equivalente a R$ 1,2 trilhão. Metade disso em infraestrutura seriam R$ 600 bilhões ao ano. Nossa infraestrutura, além de ser defasada, está em situação de praticamente depauperação.
Há um horizonte para começar a deslanchar?
A primeira medida tomada no primeiro dia do novo governo foi a edição da medida provisória 727. Todas as dificuldades vistas pelos investidores, de falta de governança pela desarticulação dos órgãos envolvidos na execução dos projetos, tiveram solução encaminhada com a criação do Programa Parceria de Investimento, diretamente vinculado ao presidente da República. Ali estão questões de natureza ambiental, de desapropriação, do BNDES assumindo papel importante como um dos membros desse conselho de infraestrutura. É absolutamente fundamental porque permite disciplinar e retornar a governança da máquina pública na execução dos projetos. Temos conversado com o secretário-executivo do programa (Moreira Franco), com o Ministério do Planejamento, a EPL e o Ministério da Fazenda sobre esse tema.
O senhor já disse que o governo tem o diagnóstico correto, está interessado em fazer, mas falta execução. Por que sempre há tropeço na execução?
Tem uma série de medidas, principalmente no curto prazo, que são aditivas aos contratos das construções já existentes, pelo próprio momento político. Há um certo compasso de espera para que o movimento se complete nessa transição política.
A votação do impeachment no Senado?
Sem dúvida. Estamos esperando que efetivamente deslanche a tomada de decisões, a parte de execução desses projetos. Mas o que percebemos é uma movimentação importante dos entes envolvidos no sentido de ter um diagnóstico correto.
A Abdib tem posição sobre prioridades?
Estamos trabalhando justamente sobre isso nesse momento. No primeiro momento, em relação aos vários projetos dos setores que temos trabalhado, a gente está verificando as necessidades mais imediatas. Não há dúvida de que é importante essa questão de definir longo e médio prazo, senão vai ser outro voo de galinha. A gente tem conversado bastante com o governo e estamos nos preparando para oferecer sugestões.
Quando poderá ser apresentado um plano aos potenciais investidores?
O governo está trabalhando bastante nisso. Tem sinalizado o que está bastante adiantado para poder levar a mercado. Mas nossa opinião é que, antes de mais nada, para um novo ciclo de investimento em concessões, é importantíssimo que esteja dentro de uma estratégia de crescimento com plano de médio e longo prazo. Ou vamos verificar novamente que foi um voo de galinha. Projetos lançados sem a devida análise, sem a devida avaliação da racionalidade, impacto de eficiência, produtividade, a gente corre risco de chegar mais à frente e esses projetos não serem bancados.
Então, é uma coisa para 2017?
Não sei dizer. A gente tem conversando agora com o governo para que ele diga como é o cronograma que está imaginando.
E não há sinalização?
Eles estão trabalhando.
Quem compete com o Brasil na atração desses investimentos? Argentina?
De forma alguma. Na realidade, você deve ter uma boa agenda e um bom quadro regulatório e bons projetos. Aí o capital para isso se mobiliza com a taxa de retorno. Não existe limitação no mundo de projetos que vai atrair x,y,z. O mundo está externamente líquido.
Em junho, o real teve a maior valorização do planeta...
É um problema. É preciso tomar medidas para que isso não ocorra. A redução da taxa de juro é irmã siamesa da desvalorização cambial. Se você permanece com o juro muito alto, com elevada liquidez lá fora, com ambiente interno favorável, a taxa de câmbio valoriza absurdamente.
Isso não ajuda a atrair investimento em projetos, não é?
Não, não ajuda.Também destrói a indústria. É o que a gente tem feito nos últimos 20 anos.
Estão confiantes de que retomar o investimento em infraestrutura é factível?
Temos que estar confiantes. É necessário. É importante para o país sair da recessão. Pelo front externo, vê o problema de câmbio e do baixo preço da indústria demoraria mais. Então, infraestrutura é algo que independe da demanda externa. Há uma deficiência estrutural que precisa ser suprida para a gente voltar a ter competitividade internacional.