Até o presidente interino Michel Temer reagiu com surpresa à projeção da consultoria MB Associados, comandada por José Roberto Mendonça de Barros, de que o Brasil poderá crescer 2% em 2017. Na média dos economistas consultados para elaboração do Relatório Focus, divulgado pelo Banco Central, o número mais recente é 1,1%, e o Fundo Monetário Internacional, conservador, estima 0,5%. A coluna procurou saber com o economista-chefe da MB, Sergio Vale, o que, afinal, eles estão vendo que nós ainda não estamos.
A MB projeta alta do PIB de 2% em 2017. O que a consultoria está vendo que os demais não estão?
Primeiro, temos que lembrar que teve dois anos de recessão profunda causada por uma crise política inédita. Todas as dificuldades entre Legislativo e Executivo foram algo que nunca vimos no país. Isso paralisou completamente as decisões do Legislativo e a capacidade de o Executivo formular políticas econômicas. O pouco que foi formulado teve pouca qualidade. Tirando o período do (Joaquim) Levy, que tentou implementar uma reforma fiscal mais adequada, ficou claro que ali ele era voz isolada, e o governo tinha visão de política econômica muito equivocada. Essa crise política que ficou muito presente nos últimos dois anos e meio passou.
Com a saída da Dilma, e a montagem de uma equipe econômica de muita qualidade, o país começa a entrar num cenário de normalidade. Quando falamos de crescimento de 2%, falamos que a economia está entrando na normalidade. Nada mais do que isso. Não é muito depois de cair quase 8%. É um número baixo. Então, nesse sentido, todo mundo fazendo revisões para cima, tenho a expectativa de que quem está com números baixos vai continuar fazendo revisões para cima nos próximos meses. Os dados estão sinalizando melhora.
E a tendência dos indicadores para a expectativa da FGV (Fundação Getulio Vargas), da CNI (Confederação Nacional da Indústria), da Fecomércio, seja para indústria, comércio, serviços, está apontando uma confiança que não havia antes. Para a economia, confiança é tudo. Significa que há possibilidade de voltar a consumir e produzir sem risco de, lá na frente, ter um problema mais grave com o sistema bancário. Essa volta da confiança é o carro-chefe que está nos levando a ter essa expectativa realista.
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Há certo otimismo na projeção?
Não. É realista. Crescer 2%, considerando que você caiu em torno de 8%, e se você considera uma normalização da política econômica com políticas adequadas, como estamos vendo agora, não é difícil. Então, estamos caminhando para que isso ocorra em 2017. Agora, algumas coisas têm de acontecer até lá para consolidar esse cenário, não só para 2017, mas para os outros anos também.
Exatamente o quê?
Duas coisas: a aprovação da regra do teto (da despesa pública), para trazer uma visão de longo prazo para a política fiscal de corte de gasto público que nunca vimos no Brasil e, pelo menos, o encaminhamento da reforma da Previdência. Não creio que nós conseguiremos fazer a reforma neste ano. É um tema bastante complicado, sem tempo hábil para ser colocado em discussão e aprovado neste ano. Tem que passar por comissões, discussões, duas votações em cada Casa, mas pelo menos você consegue ter encaminhamento em 2016. Então, se aprovar a regra do teto e a reforma da Previdência, há uma melhora substancial no cenário fiscal comparado ao que havia antes. E aqui não são nem os números em si.
Os números de fato são ruins para o próximo ano e o seguinte. Mas é porque o governo optou, de maneira correta, por fazer um ajuste mais por via de corte de gastos e privatizações, do lado da receita, do que aumentar imposto, que sempre foi o jeito errado de fazer ajuste fiscal, o que se fazia no passado. Então, é uma visão nova que nós temos de ajuste fiscal extremamente positiva quando você vê os impactos disso no longo prazo para economia brasileira. Então, estamos no caminho certo. Quando você junta tudo isso, não é difícil ver crescimento de 2%.
A projeção de 2% é baseada mais em dados reais ou na postura do governo interino?
Qualquer modelo que você usar não funciona em momentos de crise. Não adianta você tentar olhar o futuro baseado apenas no que ocorreu até agora. Qualquer modelo que nós temos nesse momento vai sinalizar, pelo contrário, uma continuidade da recessão por um bom tempo, o que não é o caso. O que nós estamos olhando para frente é um governo completamente diferente do que estava antes. Mas a sinalização que estamos dando é de tendência. É um crescimento que tende a ser bom. Estamos considerando 2% um avanço relativamente razoável. Agora, não me parece ser possível imaginar um número próximo de zero. Um número próximo de zero sinalizaria continuidade de queda do PIB pelo menos ainda no primeiro semestre de 2017. Isso não me parece razoável. Já está havendo melhora agora.
Essa projeção leva em conta a manutenção da taxa de juro em 14,25%?
Nossa expectativa para o juro é de queda a partir do final do ano, em outubro, de que caia num ciclo total 300 pontos, de 14,25% para 11,25%, por conta de um cenário favorável para a inflação. O câmbio vai continuar se apreciando, a recessão, neste momento, está ajudando na desaceleração da inflação. Estamos caminhando para um cenário de inflação ao redor de 4,5% no próximo ano, ainda não em 4,5%, mas perto, hoje em 5,3%. Mas isso, por si só, abre espaço para o Banco Central começar a pensar em queda de juro neste ano e continuar com esse ciclo no próximo. E para ter clareza do que a confiança significa, tivemos o exemplo do Collor. Durante a crise do impeachment do Collor, a queda da produção industrial era de 10%, 15% ao mês na comparação com o ano anterior. Em 60 dias, essa queda virou alta de 10% e ficou assim ao longo dos meses. Em dois meses, você teve uma virada de 20, 25 pontos percentuais. Só para ter uma ideia de como a melhora de confiança por uma mudança política radical pode influenciar muito para o lado positivo.
Quanto o cenário externo influencia nisso?
É amplamente favorável para nós nisso, porque o mundo, em desaceleração como está agora, nós estamos no caminho inverso. Em vez de afundar na crise como a Dilma estava levando o país, estamos no caminho de recuperação muito concreto, com as reformas, com a economia voltando a crescer, com a inflação cedendo, com controle fiscal, com menos protecionismo, com menos nacionalismo, justamente o contrário do que o mundo está caminhando nesse momento. Então, neste sentido, nos destacamos em relação ao resto do mundo.
É uma mudança radical de percepção em relação ao que tínhamos três, quatro meses atrás. Era um mundo relativamente razoável e um Brasil afundado. Hoje é o contrário. O Brasil está em recuperação, e o mundo, em desaceleração mais profunda. Mas não podemos esquecer que, em 2018, teremos uma eleição presidencial. Precisamos ver se quem ganhar em 2018 vai continuar as boas práticas de política econômica. Se nós voltarmos ao esquema de política errada que a Dilma estava fazendo até alguns meses atrás, perderemos todo esse ganho que tivemos agora. Passado esse momento de realismo, nós vamos ver se a volta à realidade continua em 2018.
E qual a projeção para a economia ao final de 2016?
Para este ano, já temos um começo de recuperação. Começa a ter números positivos. Isso começa a aparecer na indústria, no quarto trimestre. E já também começa a ter reversão no mercado de trabalho. A taxa de desemprego deve começar a ceder no final do ano. O quarto trimestre deve começar a mostrar números melhores na economia em relação aos três trimestres anteriores. Então, temos de fato começando a aparecer esse processo de recuperação no final deste ano.
Em relação ao PIB?
Para o PIB deste ano, projetamos queda de 3,3% no ano, na sua maior parte causada pelo primeiro semestre, ainda com as consequências da presidente Dilma. O segundo semestre tem números significativamente melhores. A nossa estimativa preliminar para os 3,3% de queda é chegar ao quarto trimestre com queda de 1% na comparação com o mesmo período do ano passado. Você tem uma perspectiva, apesar da queda, bem mais interessante. É uma recuperação gradativa.
O que é fundamental para a economia parar de piorar e voltar a crescer?
O que não pode acontecer, em hipótese alguma, é a volta da presidente. Isso seria desmontar todo o início de recuperação que tivemos até agora, toda a equipe econômica, toda a boa relação com o Congresso. Tudo isso se desmontaria, e a recessão ficaria até 2018. Nesse sentido, a única coisa que poderia prejudicar no campo político é a volta dela.
No campo econômico, é o governo começar a perder as batalhas fiscais no Congresso. Isso teria impacto ruim no longo prazo. Não evitaria um crescimento de 2% no próximo ano, mas traria consequências complicadas para os próximos anos, com impossibilidade de ter uma recuperação efetiva de atividade. Você teria um crescimento mais baixo em 2018. São dois elementos importantes.
E, em relação ao governo atual, o que é necessário para termos resultados melhores?
Os resultados melhores já estão aparecendo. Os indicadores de expectativa estão subindo. Os indicadores de atividade de junho já estão mostrando recuperação. O que precisa se manter é um presidente que seja gestor político e uma equipe econômica coordenada que funcione. Isso está ocorrendo desde maio. Tendo isso, é pedir para voltar à normalidade. Isso não é pouca coisa. É muito ganho. Isso, por si só, já nos leva à recuperação de 2%.
No geral, como avalia a atuação do governo Temer?
Avalio de maneira muito positiva. A política econômica está vindo com ideias interessantes para a economia. Começou com a regra do teto, uma visão de longo prazo para a gestão de política econômica no Brasil. Ao invés de olhar para o curto prazo, olhar o país no longo prazo. Meta de inflação de 4,5% é muito alta. É um governo que imprimiu uma imagem de longo prazo de política econômica. Os ganhos estamos tendo agora. A bolsa está subindo, os indicadores estão indo para uma recuperação.