Professor-doutor e coordenador do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUCSP, Antonio Corrêa de Lacerda foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização (Sobeet).
Esse perfil concilia o foco na economia nacional com atenção no mercado global. Integrante do Conselho Superior de Economia da Fiesp, também concilia a visão mais acadêmica com a empresarial, e é uma voz discordante no coro dos elogios à política econômica do governo Temer.
O mundo entrou em pânico com o Brexit, mas o real se valorizou frente ao dólar. Fomos beneficiados pela saída do Reino Unido da União Europeia?
Nunca existe, em economia, um único fator. O Brexit é um dos fatores. O outro é a política econômica brasileira, especialmente a sacramentada no relatório de inflação e na fala do novo presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn. Claramente o BC está usando o velho recurso de valorizar o real, mantendo a taxa de juro absurdamente elevada. Continuamos no topo da taxa real de juro. Estamos na contramão do mundo, que está trabalhando com taxas negativas, e o Brasil insiste nessa dobradinha de câmbio valorizado e juro alto. Aliás, todos os governos pós-Sarney, incluindo o próprio Sarney, utilizaram esses recurso que é música para especuladores. Eles pegam dinheiro lá fora a juro negativo, aplicam aqui com juro alto e câmbio favorável. Ganha nas duas pontas. Isso é trágico para o Brasil, vai ao contrário do discurso oficial e pode adiar a saída da crise. O setor produtivo, que estava se adaptando ao dólar mais caro, que inibe importações e incentiva exportações, revê posições. Esse é um grande erro.
O que é intencional nessa equação, não baixar o juro?
A taxa de juro alta favorece a quem especula. O mercado bate palma, o setor financeiro também, o BC tem como desculpa a resistência da inflação. O que temos de perguntar é porque só o Brasil tem esse problema. Há várias respostas, nenhuma convincente.
Nessa crise das finanças públicas, a entrada de capital não é positiva?
Não vejo por que. É capital especulativo, do qual não precisamos. Não precisamos porque temos déficit em conta corrente baixo, que pode ser financiado por investimento direto, que não vem pelo juro, mas paras aplicar em empresas. Então não se justifica, é uma esquizofrenia o que está sendo feito no Brasil, atraindo capital a custo altíssimo, desestruturando a questão fiscal e ampliando o custo de financiamento da dívida.
A inflação medida pelo IGP-M, que subiu muito em maio, não justifica a manutenção do juro alto?
Há vários aspectos, situações de safra, problemas de preços agrícolas, também problema da indexação. Na verdade, muitas vezes o IGP-M e a série dos IGPs estão apurando uma inflação que não existe. Um exemplo claro é o do aluguel. Nas grandes cidades, os preços caíram absurdamente. No entanto, o valor contratual continua subindo, e provavelmente é esse que está indo para a inflação. São distorções que o nosso sistema de captação de preços. Não tem nada a ver com demanda e não justifica uma taxa de juro do tamanho do que temos.
Existe um efeito benigno para o Brasil da turbulência provocada pelo Brexit?
Há pouquíssima relação, a única é que algumas moedas estão se valorizando. Mas é a menor parte desse processo. Está havendo uma mudança geopolítica, ninguém sabe o que vai ocorrer. Não sabemos, com certeza, nem se o Brexit vai existir de fato, se o Reino Unido vai continuar a existir, se haverá um novo acordo com os Estados Unidos para compensar a saída do Reino Unido da União Europeia, como fica a relação do Reino Unido com a União Europeia. Então os mercados cambiais estão especulando quanto a essa nova geopolítica.
É possível fazer uma leitura de que os emergentes estão reemergindo?
Depende do lado do balcão em que se está. Do ponto de vista de quem está especulando, é favorável, agora, para população em geral, para a economia real, não.
Há muita especulação se o BC vai estabelecer um novo piso para o dólar...
Tudo indica que o BC, aliás está escrito no Relatório de Inflação, conta com um real valorizado para ajudar no combate na inflação. A questão é que esse câmbio está fora do equilíbrio industrial, que seria R$ 3,60, R$ 3,70 em valores de hoje. Abaixo disso, abaixo de R$ 3,50, põe em risco alguns dos pontos da recuperação até agora.