Se o Brasil enfrenta uma crise, há setores em que os problemas são ainda mais graves, como o de eletricidade. É com a missão de dar uma ''solução de mercado'' que Wilson Ferreira Jr., até agora presidente da CPFL, vai assumir a Eletrobras, antecedido por uma MP que facilita a privatização de estatais do setor. O consultor Rafael Herzberg, com ''décadas'' de experiência no setor, diz nunca ter visto eficiência nas empresas do setor público.
– A regra é que essas empresas são usadas por interesses que destoam do interesse público. A Lava-Jato está mostrando isso com clareza absoluta.
A situação
''A dívida das estatais de energia são monstruosas, as tarifas teriam de aumentar por conta desse passivo gigantesco. Os preços de mercado das ações das empresas de energia tiveram quedas enormes e deixaram de pagar dividendos, o que incomoda muito os investidores. O problema é que as tarifas de energia elétrica e dos nossos derivados do petróleo estão entre os mais caros do mundo. A volatilidade do câmbio tem provocado grande preocupação, até inviabilizando projetos de energia solar, que tem material importado. Ainda há falta de liquidez nas companhias. A própria Câmara de Compensação de Energia Elétrica (CCEE), entidade oficial, está dando calote nos que acreditaram no funcionamento regular de uma instituição de liquidação de operações. Quem fez liquidação na CCEE, não recebeu o valor. Outro fato, gravíssimo, são as interrupções não planejadas no fornecimento. A Aneel estabeleceu um limite regulatório, em horas ao ano. O limite regulatório permite interromper 18 horas ao mês, mas a média está ao redor de 20 horas ao mês. Isso resulta em custo não contabilizado nas tarifas, mas arcado pelos consumidores corporativos. São fatos gravíssimos. Geram perda de credibilidade para investidores e para clientes.''
Necessidades
''A primeira é ter uma meta clara de resultados a serem alcançados. Não só presidentes, mas também diretorias e conselho de administração, deveriam ser pautados por resultados. A segunda é dar condições para alcançar essas metas. A terceira, também crítica, é dar independência ao regulador. No Brasil, infelizmente, os órgãos reguladores sempre funcionam como capachos do Executivo. Só isso explica absurdos que fizeram nos últimos anos. A Dilma mandou diminuir as tarifas em 20% em janeiro de 2013. Como a Aneel é capacho, diminuiu. Se tivesse independência e fosse e competente, jamais aceitaria.''
Soluções
''Em décadas a fio, não tenho esperanças realistas de que a gente consiga fazer uma limpeza em regra, torná-las eficientes e competitivas com paridade global. A tentação de roubar é muito grande. Não acho que tenhamos, com realismo, possibilidade de virar a mesa sem que essas empresas sejam privatizadas. Embora muita gente discuta, fale que o petróleo é nosso, que empresas como a Eletrobras são nossas, não são. São de alguns poucos que as depenaram. O povo, mesmo, perdeu tudo. Minha sugestão é privatizar tudo. Fazendo um paralelo: o setor de comunicação é um exemplo. Há 20 anos, uma fração pequena da população tinha telefone e pagava uma fortuna. Depois que privatizou, universalizou. O mesmo conceito deveria ser aplicado ao setor elétrico. Na prática, ainda existe boa parte da geração controlada pelo governo federal e uma pequena parte da distribuição controlada por governos federais e estaduais. O Brasil não tem condição de fazer boa gestão, independentemente de cor partidária. A segunda ideia é prosperar na desregulamentação do setor elétrico. Uma maneira de estimular o ambiente competitivo é desamarrar o setor elétrico, hoje amarrado com tarifas e regulações. O regulador, teoricamente, está lá para manter a harmonia, mas se você tirar o regulador, daria na mesma. É só um custo. Temos as maiores tarifas do mundo e, ainda assim, há uma confusão tão grande, que as empresas estão debilitadas e endividadas enquanto os clientes pagam um preço desmesurado. Se adotássemos a desregulamentação, nos livraríamos da amarra da incompetência oficial que protege um sistema falido de fato. O terceiro ponto é desatrelar os negócios do BNDES. Hoje, os projetos do setor privado são feitos com dinheiro do governo. É um absurdo que o banco oficial pegue dinheiro público para dar ao setor privado. O setor privado que vá ao mercado, e busque o capital onde for mais interessante. Isso não é privatização.''
Consumidores
''Hoje, o regulador não protege o consumidor. Temos a fonte mais barata do mundo que é a água, mas pagamos a tarifa mais alta. Algo está errado. Se a gente mandasse todo mundo embora, da Aneel e da ANP, o mercado iria tomar conta melhor. Por exemplo: hoje, a Petrobras é monopolista do setor de óleo e gás e está quebrada, o preço está nas alturas e roubalheira foi medida em centenas de bilhões de dólares. Talvez seja o maior roubo que já se viu no planeta. O regulador protege isso porque se beneficia dessa forma furada de fazer negócios. Se a Petrobras é tão boa, não precisa ter medo de competir. Os consumidores vão ter mais proteção se ficarem à mercê do mercado. Os reguladores foram incompetentes ou corruptos. No mercado livre de energia, está se pagando mais barato, porque é competitivo. Mas só é aplicável para 30% do mercado brasileiro.''
A mudança
''Esse é o problema principal. Não existe, hoje, um estímulo viável, a todos os atores políticos e econômicos em relação à privatização. Ninguém quer largar o osso. Sabemos o que precisaria ser feito, mas nós, povo, estamos reféns de uma pequena elite de políticos e empresários que se apoderaram dessas empresas. Eles não tem nenhum interesse que essas empresas sejam eficientes, ao contrário. Somos alienados, ninguém fala isso. Enquanto não acordarmos, vamos manter esse problema insolúvel.''