Em um de seus livros mais conhecidos, Jangada de Pedra, José Saramago fantasia que a península ibérica se separa da Europa e passa a navegar à deriva. Era uma metáfora à discriminação aos países da “periferia europeia”. Desde a decisão histórica do dia 23 de junho, é outra porção de terra – deslocada do continente, mas central no poder –, que passará a errar por mares nunca dantes navegados.
Sem precedentes, a saída de um dos integrantes da União Europeia (UE) abre uma tal quantidade de interrogações que estabeleceu uma sexta-feira negra. Houve perdas bilionárias nas bolsas e a menor cotação em 31 anos da libra esterlina, até então moeda mais valorizada do planeta.
Frente ao desastre das bolsas europeias, a queda de 2,8% no Brasil foi relativamente benigna, menor até do que a dos mercados nos Estados Unidos. O que ajudou, por aqui, foi um comunicado firme do Banco Central mencionando que o Brasil tem defesas contra o contágio.
Dependendo da gravidade da disseminação do pânico, todas as defesas podem ser vãs, mas quando o Banco Central se posiciona, ajuda a tranquilizar. Especulações sobre outro banco central, o Federal Reserve, dos Estados Unidos, também ajudaram a amenizar, por aqui, a onda de pavor frente ao desconhecido espalhada pela decisão dos britânicos.
Como havia sugerido sua presidente, Janet Yellen, nesta semana, o Fed terá de “monitorar cuidadosamente” os efeitos da saída do Reino Unido da UE. Na visão da maioria dos analistas, o tamanho da incerteza aberta com a vitória do “leave” adiará sem prazo a elevação do juro pelo Fed, o que é benéfico para o Brasil.
Mesmo assim, é melhor que o BC brasileiro fique de olhos e arsenal abertos. Para uma economia que apenas começava a sonhar com a chance de recuperação, como a do Brasil, turbulências não são bem-vindas. Teria sido melhor, para os brasileiros, que os britânicos seguissem presos ao continente.