A trajetória de crescimento do Grupo Herval não obedece a manuais: são 16 empresas que incluem indústria, comércio e serviços – consórcios, seguros, construção e financeira. Fundada em 1959 como uma madeireira, a empresa evoluiu para a diversificação aproveitando sinergias.
Um exemplo é a rede iPlace, que revende produtos Apple com mobiliário Herval. O diretor-presidente do grupo, Agnelo Seger, tem perfil discreto, mas não hesita em apontar o tamanho do império: R$ 2,8 bilhões em faturamento, o que o credencia como um dos maiores do Estado.
Como foi o processo de diversificação? Vocês analisam mais oportunidades ou sinergia?
Têm empresas que surgiram porque foram pensadas, e têm outras que surgiram de oportunidades e até de insucessos que a gente teve. Por exemplo, a empresa de consórcio. Tivemos neste mês a notícia de que a nossa empresa do segmento passou de sétima para sexta maior do setor no país, no segmento dominado por pequenas empresa, como Bradesco e Itaú (risos). Mas surgiu de uma experiência difícil. Há muitos anos, era comum fazer consórcio de eletrodomésticos. Havia uma empresa de São Paulo que gerenciava os consórcios nesse segmento, mas os clientes não estavam recebendo os produtos. Iam reclamar na Herval, porque haviam comprado lá. Decidimos entregar por nossa conta e, quando tentamos nos compensar, herdamos ar-condicionado velho, cadeiras e mesas, porque a empresa faliu. Aí decidimos fazer nosso próprio consórcio. De uma má experiência, surgiu um negócio importante. No cenário de hoje, conseguimos crescer 31% no ano passado, e nesse ano, nos primeiros três meses, crescemos 40% sobre os 31% do ano passado. Mas é uma exceção, os outros negócios não estão assim.
A sede da empresa é em Dois Irmãos, mas a madeireira começou a funcionar em Santa Maria do Herval. Qual é o berço?
O berço é Dois Irmãos. Santa Maria do Herval era uma localidade de Dois Irmãos. Tínhamos uma serralheria lá e um depósito de madeira em Dois Irmãos. Em 10 de setembro de 1959, foi feita a emancipação de Dois Irmãos de São Leopoldo, com participação de fundadores da empresa, que começou como uma sociedade de amigos. Eles acharam que o município iria crescer e que seria importante ter uma madeireira, aí surgiu a madeireira Herval.
Como é tocar uma empresa familiar com uma gestão também familiar?
Nós estamos em um aprendizado de governança. Hoje, temos um conselho consultivo, ainda não um conselho de administração, com dois conselheiros externos. Tivemos mudança na sociedade nos últimos três anos. Então as duas famílias remanescentes incorporaram mais 20% das ações. Estamos à frente da administração, mas é bastante profissionalizada. Estamos preparando a terceira geração da empresa também nesse sentido.
Como o grupo tem resistido à crise, especialmente na indústria?
Não fugimos à regra. A indústria, que há pouco tempo participava com 14% no PIB, agora responde a 9%, e a gente vê isso com tristeza. No varejo, também. No ano de 2014, nós tivemos um bom crescimento ainda. Em 2015, há setores que cresceram e que diminuíram. Na média, ficou em uma redução de 6%. Olhando para o lado, vemos coisas muito piores. Nos últimos 10 anos, crescemos a taxas de dois dígitos.
Como o senhor dimensiona essa crise?
Tivemos muitas crises difíceis. Tivemos até 80% de inflação ao mês, e a gente sobreviveu. Esta, realmente, é diferente. As pessoas perguntam se é a pior. Eu não sei, porque ainda não passou. Sobre as outras é fácil falar porque já acabaram. Essa é diferente porque temos uma crise mais política, que influenciou demasiadamente na situação econômica. Além disso, nós temos uma crise de ética e de moral no país, em que as pessoas que deveriam comandar o destino da nação estão descomprometidas e sem credibilidade. No momento em que tiver uma solução na questão política, que passar a resolver a economia. Algo tem de acontecer.
O senhor disse, certa vez, que estava tentando não demitir. Está conseguindo?
Esse é um momento em que as pessoas que tem o DNA da empresa fazem a diferença. Um dos maiores capitais que temos são as pessoas, não as máquinas ou os prédios. Isso o dinheiro compra. Uma crise cria a necessidade de olhar para dentro. Quando a coisa vai bem, a gente comete muitos erros. Sobre as variáveis internas, a gente pode agir. Não temos feito cortes. Fizemos, quando necessário, redução de jornada. Eliminamos um segundo turno que não era tão necessário e trouxemos essas pessoas para o primeiro turno.
Vocês estão conseguindo aproveitar a janela das exportações?
Esse é o problema. Se faz todo um esforço para abrir um mercado externo. Chegamos a negociar com 35 países. Mas chegou um ponto em que você mandava mercadoria e um cheque junto, dava prejuízo. Fomos diminuindo. Sempre exportamos, mas o percentual ficou insignificante. Agora estamos recuperando. Uma coisa prejudicial é o Custo Brasil, que está muito alto. A indústria brasileira perdeu muita competitividade. O Brasil ficou caro.
É verdadeira a história que uma pessoa comprou um produto Apple na iPlace, e, quando a nota saiu no nome da Madeireira Herval, a compra foi cancelada?
Uma vez um desembargador comprou um iPhone na loja. Chegou em casa e viu a mensagem do cartão de crédito, falando em uma compra na Madeireira Herval. Ele perguntou para a esposa se haviam comprado material de construção. Ela disse que não. Então ele ligou para a empresa do cartão e disse 'cancela, porque eu não comprei nada'. No outro dia, viu a nota do iPhone, que dizia: 'razão social Madeireira Herval'. Tivemos de mudar isso. Hoje é Global Distribuição de Bens de Consumo. Sempre era um problema saber onde enquadrar.
Como é a relação com a Apple?
Nós conseguimos, para a expansão no Brasil (hoje, são cem lojas), formatar um modelo de lojas menores. Fizemos um trabalho a quatro mãos com eles. Desenvolvemos o mobiliário dessas lojas.
São parceiros exigentes?
Sim. Eles sabem melhor dos nossos números do que nós. Mas, como é uma empresa de fora, nós temos muita coisa para ensinar a eles, como na área de tributos daqui, por exemplo.
Vocês têm preocupação em relação à fabricante de móveis para classe C e D, diante do risco de perda de renda dessa fatia?
Temos, sim, essa preocupação. O varejo, agora, está buscando alongar o prazo para caber no orçamento das pessoas. Temos reforçado essa parte. Em contrapartida, vamos fazer, brevemente, o lançamento de uma nova linha, uma linha top. Nós queremos escolher os clientes, e vamos ter 50 ou 60 no Brasil, apenas. Vamos trabalhar para aquele nicho da pirâmide que não tem crise.
Vilson Noer, presidente da Associação Gaúcha para o Desenvolvimento do Varejo (AGV)
Como a HS Financeira pode aproveitar esse momento, de mais busca por prazo no varejo?
Essa é uma empresa criada em 2005, para terceirizar o financiamento das nossas vendas. Quando se fazia um financiamento, pagava-se o ICMS. Isso mudou muito com a criação da substituição tributária, mas, na época, havia perda com isso. Como tínhamos ampla relação com o Banco Central, por causa do negócio de consórcios, abrimos a nossa financeira. Agora, estamos buscando acordos, até com emissoras de cartão, além do que emitimos. Estamos buscando um refinamento. Estamos buscando alternativas para que esse negócio se torne mais atrativo. Se elas vão se tornar viáveis, o tempo vai dizer.
Ambrósio Pesce, vice-presidente Sincodiv/Fenabrave
E como está a inadimplência?
Está aumentado, sim. Para nós, é como nos bancos. Estão muito restritivos, analisando mensalmente as posições das empresas. Tiveram de provisionar muito dinheiro. Também estamos sendo mais seletivos e cuidadosos. Mas a HS Financeira está dirigida a nosso cliente, que conhecemos.
Humberto Busnello, vice-presidente da Fiergs
O caso do surgimento do consórcio é um caso de uma empresa que honra sua palavra. Uma atitude diferente poderia ter mudado o curso da consolidação da empresa?
Essa é uma das questões plantadas lá atrás, que devemos a nossos pais. São cláusulas pétreas da empresa. É melhor ter credibilidade do que ter dinheiro. Nós temos uma Constituição que só prevê e fala em direitos, mas também existem os deveres. Talvez nós tenhamos uma bela oportunidade, pela qual estamos pagando caro, para mudar isso.