Assumir a vice-presidência da chamado "banco dos Brics" (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), em julho do ano passado, foi como ir da água para ao vinho para o economista Paulo Nogueira Batista . Saiu do "super estruturado" Fundo Monetário Internacional (FMI), onde era diretor-executivo, para um projeto que começou do zero, mas que, segundo ele, é singular.
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À coluna, o economista falou sobre o papel da instituição para o bloco, sobre a situação da China, que preocupa o mundo, e sobre a economia brasileira. Embora admita as dificultardes enfrentadas pelo país, interna e externamente Nogueira é otimista, e avalia que é possível crescer ainda neste ano.
Há problemas com os Brics?
O que dá sustentação aos Brics como aliança não são os movimentos conjunturais. São cinco economias de grande porte, que têm flutuações, fases mais e menos favoráveis. A aliança transcende conjunturas. É uma aliança de caráter geopolítico. São países com perfil e visão semelhantes da arquitetura financeira internacional. Não vejo que isso tenha mudado com a entrada em recessão do Brasil e da Rússia, ou com o momento da China.
A proposta de Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) era ser alternativa ao FMI. Nesse sentido, ele pode vir a socorrer os países fundadores?
São duas inciativas diferentes nesse processo. Uma coisa é o fundo monetário dos Brics, um arranjo para contingência, outra coisa é o NBD. O arranjo de contingência é que pode servir para ajudar países que estão com problema na balança de pagamentos, por exemplo. O nosso banco é mais semelhante ao Banco Mundial, a um banco de desenvolvimento. Não temos linhas para financiar balança de pagamentos ou dívida. É um banco de projetos na área de infraestrutura e desenvolvimento sustentável.
Já há projetos sendo analisados?
Sim, já estamos em plena análise da primeira leva. Se tudo der certo, teremos pelo menos cinco projetos, um de cada um dos países fundadores, prontos no segundo trimestre deste ano. As negociações e definições estão em pleno andamento. Várias cosias ocorreram nesses sete meses do banco. Entrou a primeira parcela de capital, e a Rússia até antecipou a segunda. Já temos US$ 1 bilhão em caixa. Nós planejamos emitir o primeiro bônus ainda no primeiro semestre deste ano, no mercado chinês. A primeira leva de projetos tem foco na área de energia limpa. O banco está deslanchando.
O que é mais diferente entre as experiências no FMI e no NBD?
É totalmente diferente. O FMI é um fundo monetário, que atua para apoiar estabilidade econômica. O novo banco é de desenvolvimento, financia projetos. O FMI é uma organização superestruturada. No NBD, eu cheguei em julho e não tinha nada, só o escritório. Passei de uma organização enorme, para uma que estava começando do zero. Uma estruturação que é até excessiva, porque não se consegue mudar um fundo tão complexo. Fui para um campo livre, onde podemos exercer nossa capacidade de inovar. Como é um banco com cinco países apenas, com pontos semelhantes, é mais fácil chegar a consensos.
Qual o projeto que está sendo analisado no Brasil?
É na área de energia eólica. Estamos fazendo junto com o BNDES, com um empréstimo em dois passos para financiar três projetos no país. É um modelo que o BNDES já usou com outros bancos internacionais.
Escolha por projetos em energia eólica é porque é uma área mais estruturada no Brasil?
Avaliamos que esses projetos ofereciam perspectivas boas. Mas haverá, também, projetos na área solar, em outros países, como na China. Nós temos um mandato amplo, mas, em um primeiro momento, temos de operar com bancos de desenvolvimento nacional e empréstimos com garantia soberana. As coisas mais complicadas, vamos deixar para outras etapas. Projetos que envolvam risco sociais. Vamos começar com o que está mais acessível.
O que representa o NBB, no contexto global?
No FMI, havia um clima de embate. Nós contra eles. Os avançados, que controlam as instituições, contra os emergentes. Agora, nós estamos construindo nosso próprio projeto. Tem uma singularidade nessa iniciativa. É a primeira vez que países emergentes, sozinhos, estão construindo um banco com iniciativa global. Estamos fazendo bem feito, para que não se desperdice essa oportunidade única. Embora não seja um banco para enfrentar problemas conjunturais, poderá ajudar a incentivar o crescimento dos países dos Brics. Teremos uma contribuição, pequena no início, para fomentar investimento e romper gargalos.
Você passou os últimos 7 meses na China. Olhando mais de perto, é mais fácil entender o que está acontecendo lá?
Ficamos mais expostos a um conjunto de informações que talvez não saiam para o mercado externo. Mas a China é muito opaca, até por uma barreira linguística e cultural. Muitos países são, mas talvez a China seja ainda mais do nosso ponto de vista. É uma situação séria. É uma economia que vinha em uma marcha super forçada, investindo 50% do PIB, com expansão extraordinariamente rápida. Agora, está fazendo a transição para um modelo diferente, com crescimento mais lento, menos foco em exportação e mais foco em mercado interno, mais consumo e menos taxa de investimento. Não é fácil. Seria um milagre se conseguisse fazer essa transição sem dificuldades. Há turbulência no mercado de ações, no mercado cambial e capacidade ociosa em alguns setores.
Internamente, qual o clima no país?
Meu dia a dia é muito fora do dia a dia chinês. Mas, o que a gente vê, conversando com economistas, é que há uma inquietação. Em todas as crises recentes, o primeiro sintoma foi a turbulência financeira. Na China, o mercado de ações é pequeno em relação à economia. O efeito de um colapso seria menor. Contudo, nesses últimos sete meses, quebrou-se aquela confiança total que se tinha na gestão do governo. Paira uma incerteza se eles vão saber conduzir tão bem o momento. Uma situação parecida com a que vimos no Brasil.
Com você vê o debate econômico nacional?
Os ânimos estão exaltados. Muito calor, pouca luz. Têm várias coisas ocorrendo ao mesmo tempo. Dificuldades internas que vão se acumulando, choques internacionais e choques políticos. Essa confluência de fatores produziu uma tempestade perfeita, que foi o que vimos em 2015. É tudo meio desanimador. Nós estamos em um processo autodestrutivo. Pior que a recessão econômica, é a recessão emocional. Até pouco tempo, éramos um sucesso, até um pouco exagerado. Parece que o país foi derrotado. Aquele jogo contra a Alemanha simboliza muito o que ocorreu com o país. Fundamentalmente, o que falta é coesão interna e um pouco de responsabilidade. Não pode deixar uma disputa política destruir o país. Ao investigar corrupção de pessoas físicas, não se pode destruir as empresas. Mas tem muita coisa positiva ocorrendo. Esse combate à corrupção está sendo bem visto lá fora. Impressiona esse processo de responsabilização de pessoas influentes. Não são muitos países que mandaram prender banqueiros. Nem tudo é ruim. Economicamente, também. Temos reservas internacionais altas, o déficit em conta corrente caiu, o real depreciado vai ser um fator de reativação pontual. Já começou a ocorrer substituição de importações. O Brasil é grande, enfrenta muito desaforo.
Como você avalia a utilização de reservas para enfrentar a crise e a questão da dominância fiscal?
Não é por aí. Só sobrevivemos essa crise porque temos reservas altas. É um ativo fundamental. Antes, quando não tinha reserva, o Brasil quebrou, dependeu do FMI. O Brasil, ao contrário da China, não usou reserva, Usou swaps cambiais. Temos munição, mas não vamos usar mal.
Mas nem uma parte poderia ser usada?
Pode, mas teria de ter cuidado. Em um quadro turbulento, qualquer mexida poderia causar desconfiança. Não somos que nem a China, que tinha US$ 4 trilhões e usou algumas centenas de bilhões. E mesmo eles têm de cuidar, para não desencadear um movimento especulatório negativo.
Quando voltamos a crescer?
Crescimento trimestre sobre trimestre, não é impossível que ocorra no último do ano. Temos de ver como o câmbio e a oferta de crédito repercutem. Está tentando se criar um clima positivo. Mas tudo depende de um mínimo de estabilização política. Se tivermos isso, começamos a reverter desconfiança, aí poderemos ter um crescimento no terceiro ou quarto trimestre. Mas será pequeno.