Nem aqui, do outro lado da fronteira, funcionou a tão criticada “campanha negativa” de Daniel Scioli à presidência da Argentina. Mesmo quem, em tese, não tinha motivo para ser simpático à candidatura que representaria a manutenção do “projeto” kirchnerista advertia que a eleição de Mauricio Macri poderia representar aos brasileiros um golpe na exportação ao país vizinho, já que uma de suas bandeiras é deixar o dólar flutuar, ou seja, permitir uma pesada desvalorização do peso.
Quem já se preparava para um maciço desembarque de hermanos no verão pode ter de refazer planos. Em uma frase que virou bordão de campanha, Macri mencionou a cotação que prevê: dólar a 15 pesos – quase o dobro do oficial atual. A coluna foi consultar o representante de um dos setores mais interessados na relação cambial e comercial com os vizinhos, Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). A preocupação de Klein não é a cotação do peso, nem o impacto da desvalorização.
– Macri, ao menos, é a esperança de alterar o quadro atual. A Argentina, pondera Klein, precisará de um severo ajuste fiscal, assim como o Brasil. Assim como nós precisamos de ajuste, e ninguém torce contra, lá com Macri ou com Scioli será preciso fazer um forte ajuste, logo no início do novo governo, que permita recuperação ao longo do mandato. Isso certamente terá reflexo nas importações argentinas. No curto prazo, não se pode prever nada de bom, mas lá adiante, quando voltar ao normal, o Brasil pode ser favorecido – espera Klein.
Uma das queixas dos calçadistas é a diferença de tratamento dispensado ao produto brasileiro – alvo de barreiras técnicas, como licenças não automáticas e declarações juradas – e ao asiático.
– Eles não aplicam a mesma severidade, especialmente aos chineses – diz Klein.
O resultado dessa diferença é que, nos últimos dois anos, inverteu-se a proporção dos calçados importados, que era 70% do Brasil e 30% da Ásia. Hoje, cerca de dois terços são asiáticos e um terço, brasileiros. Isso que nem cota existe mais: os 15 milhões de pares autorizados ao ano caíram para 7 milhões por conta da perda de renda da população.