Na quarta-feira à noite, um e-mail da editora de capa Rosane Tremea apareceu no meu celular. "LEIAM ISSO QUE EU RECEBI AGORA. QUASE TIVE UM TROÇO", dizia o título, assim em letras garrafais.
O texto reproduzia uma mensagem recebida minutos antes pela editora:
"Rosane, boa noite.
Eu gostaria de agradecer pela oportunidade e dizer que foi uma experiência incrível ter estado com todos no seminário. Foi uma tarde enriquecedora!
Queria também dizer que participar neste ano do Primeira Pauta me foi bem significativo. Isso porque tive a oportunidade de registrar um pouco da história do meu avô, que, coincidentemente, faleceu ontem, enquanto eu estava com vocês. Não pude me fazer presente no velório, mas sei que ele entenderia e que não deixei de estar com ele. Por isso, obrigado!
Continuem com esse projeto lindo e motivador para nós, futuros jornalistas. Tenho certeza de que sempre vou lembrar dessa oportunidade. Sucesso!".
E assinava Piero Dutra Vicenzi, estudante do 6º semestre da UCPel, um dos 15 finalistas do Primeira Pauta 2017. O projeto garimpa, entre as quase 30 faculdades de Jornalismo do Estado, estudantes para um curto estágio de uma semana no jornal. No dia do anúncio dos cinco vencedores, na terça-feira, os 15 finalistas participaram de um seminário na sede do Grupo RBS.
Inspirado no jornal The New York Times, que promoveu experiência semelhante, o teste classificatório deste ano consistiu em colocar os jovens estudantes para entrevistarem uma pessoa com mais de 70 anos. Piero escolheu seu avô, Toni Madruga, de 91 anos. Foi finalista, veio de Pelotas a Porto Alegre para o seminário e, na tarde em que participava do Primeira Pauta, junto a outros jornalistas do futuro, seu avô Toni se foi.
O que isso significa? A resposta está na beleza do legado de um avô a seus filhos e netos e em um dos sentidos do jornalismo, que é o de contar histórias. Boas histórias.
Seu Toni, contou Piero em seu texto, "sempre enfrentou os percalços da vida com a cabeça erguida". Perdeu duas esposas. Seus filhos biológicos morreram. No segundo casamento, foi presenteado com duas filhas. Piero, filho de uma delas, sequer tinha o mesmo sangue do avô. Toni costumava dizer que nasceu para criar os filhos dos outros. "Não somos unidos pelo sangue, somos unidos pelo afeto", escreveu Piero sobre o amor de seu avô, em seu texto-teste para o Primeira Pauta. "Vô Toni me faz ver a vida como uma constante evolução. Atravessou nove décadas e, quando o seu modo de ser/estar no mundo entrava em choque com algum conflito das novas gerações, ele, humildemente, afirmava 'eu já vi muito, e ainda tenho muito para ver'."
Vô Toni não viu o quanto seu neto brilhou no Primeira Pauta, mas teria orgulho do guri. O afeto que ele semeou lá atrás, criando os "filhos dos outros", está na alma desse futuro jornalista, que saberá contar histórias com o mesmo sentimento com que seu avô ensinou a tantos em sua vida. Bem-vindo à profissão, Piero.