A oferta da ficção sobre nosso futuro é distópica. Se duvida, abra qualquer streaming de filmes, ou procure nas listas dos livros best sellers. O avesso da utopia é o que faz sucesso. Nenhuma obra vislumbra um mundo melhor para a humanidade, ao contrário, a ideia é que no futuro voltaríamos à barbárie.
Isso seria marcador de um momento atual, depressivo - quando só se imagina o pior? Ou realista, ao dar-se conta de que fazemos progressos tecnológicos, mas não éticos. E ainda, o que avançamos numa geração pode perder-se na próxima.
Inclino-me pelo realismo, afinal, o século 20 é um cemitério de utopias. Parte disso vem de uma bem vinda desidealização do homem. Sabemos que podemos criar tanto o sublime como o horror, que não existem homens moralmente superiores, que todos somos propensos ao erro.
Começamos a entender que não é a promessa de um futuro melhor, que nos moveria em direção a um mundo melhor. O homem que persegue seus sonhos e chega lá vira filme; já a maior parte dos engajados em seus sonhos, chegam aos consultórios deprimidos. Sonhar não é - como se acredita -, grátis. Lá na frente chega o imposto sobre a promessa, feita a si ou aos outros, não cumprida.
A cultura ocidental nos criou uma armadilha: passamos a nos julgar não pelo que de fato somos, mas pelo que deveríamos ter sido. Essa mola psíquica nos impulsiona para a frustração, para sentir-se derrotado.
A utopia não é a mãe da esperança.
Não é sonhar alto que nos faz crescer, são a dedicação e a perseverança que o fazem. Sonhar não é condição necessária para alcançar o sucesso. A utopia não é a mãe da esperança. Enquanto a primeira é transitiva, ou seja, pede objeto - um mundo idealizado -, a esperança é intransitiva, aberta para o que vier.
Quando vejo pessoas querendo reacender a utopia, dá vontade de dizer: há tanta coisa para fazer, por que perder tempo com uma miragem, que será cobrada com juros ali adiante? E pense, a geração que chega recebe um planeta adoecido e um sistema econômico ainda mais concentrador de riqueza. Como pedir que eles acreditem que o futuro será melhor?
“Os vivos são sempre, e cada vez mais, governados pelos mortos; tal é a lei fundamental da ordem humana.” Disse Auguste Comte. Marx disse: ”A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.” Já não nos basta carregar o fardo do passado, temos também que ser guiados por uma Pasárgada futura?