Em 2018 havia constantemente uma faixa no Parcão pedindo a volta dos militares. Fácil entender, aquelas pessoas acreditavam que os militares devolveriam a ordem ao país. O Brasil estava em desordem? Bem, para eles sim.
E o remédio seria a farda.
Os sociólogos usam a palavra anomia para falar de momentos em que uma sociedade perde-se de seus valores, desorganiza-se e mergulha no caos. Isso pode corresponder a uma situação trágica, por exemplo um país depois de perder uma guerra. Mas também podemos dizer que algumas pessoas sentem essa perda de referências sem que necessariamente ela exista, ou mesmo os outros a sintam.
O mundo em constante mudança, profissões que surgem e desaparecem, a pluralidade de costumes, o abalo das convicções sobre identidade de gênero, a revolução digital, fazem da atualidade um caleidoscópio lisérgico ininteligível para alguns. Essas pessoas, geralmente com mais idade, sentem o cosmos que conhecem derretendo-se e pedem socorro para que alguma força externa venha lhes devolver o sentido do passado.
A questão é: quem poderia nos salvar? Quem seriam os homens acima dos homens comuns, portanto incorruptíveis e que visariam apenas ao funcionamento da República? Para os da faixa no Parcão seriam os militares.
Pois eles chegaram. O atual governo recheou o governo com militares e o nosso vice é general. Dois anos e o resultado é a mesma confusão política agravada com aprofundamento da crise econômica, uma gestão incompetente da pandemia e a imagem do Brasil torrada no Exterior.
O que surpreende é o grau de desconexão de alguns militares com o século 21. Na conturbada semana passada, o general Mourão pronunciou a mais racista das frases, ao afirmar que não existe racismo no Brasil. O general Santos Cruz diz que Bolsonaro instalou o “comunismo de direita” no Brasil. Vá saber o que ele quis dizer...
O general Pazuello, atual desministro da Saúde, está prestes a desperdiçar 6,8 milhões de testes para covid-19 por perda de validade. Uma façanha de logística reversa. O ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, precisou de três eternas semanas para restaurar a eletricidade no Estado do Amapá.
E por que seria diferente? Os militares são apenas homens como todos os outros. Mais preparados apenas para a guerra. Porém menos preparados para ouvir críticas, pois em parte eles acreditam na mística da sua superioridade.
Só na cabeça de pessoas com um infantilismo incurável para imaginar que existiriam salvadores, Papais Noéis da República. No subterrâneo está a concepção autoritária de que o problema seria a falta de mando, pulso firme. Irmã da ideia de que a democracia atrapalha. A frase de Mourão sobre o racismo soa como de 50 anos atrás. Talvez seja esse o projeto.