O café da manhã caiu mal para Antônio. Desceu do ônibus com o estômago embrulhado.
Como todos os dias, chegou cedo ao centro. Gostava da rotina do escritório vazio para ler jornal antes que os colegas e clientes lhe tirassem o sossego.
Atravessou a Praça da Alfândega trôpego. Neste dia, lhe pareceu uma empreitada oceânica. Alcançando a Rua da Praia o enjoo piorou. As pernas começaram a falhar. Suas forças escapavam. Uma neblina particular lhe escurecia o entorno.
Aproximou-se da parede de um prédio para não cair. Nem os braços eram confiáveis. Precisou apoiar-se com as costas na parede, em um gesto derradeiro, para evitar o chão. Colado à parede recuperou algo dos sentidos. Nunca se sentira tão mal. Será que esqueceu do remédio para pressão?
O arrimo dos tijolos não durou. O mal-estar voltou como uma onda sinistra. As pernas, agora mais moles, escorregaram pela calçada. Com o que lhe restava de consciência, deu-se conta de que estava sentado no chão, apoiando-se em uma fachada de loja. Não sabia se desmaiou. Tudo era confuso. Sentia as pernas geladas contra o o piso úmido. Talvez tivesse perdido a consciência por um lapso.
Via o mundo desde um ângulo inédito para sua experiência. Muitas pernas desfilavam por seus olhos. As pessoas passavam sem vê-lo. Eram as mesmas com quem cruzava todos os dias. Tão familiares e tão distantes. Ninguém lhe estendeu a mão ou lhe perguntou se precisava algo. Nenhum passante deu-se conta de que ele não era um habitué da calçada. Sua própria tribo, os de pé, confundiu-o com alguém da tribo dos que estão abaixo da cintura.
A tontura custava a passar. Não tinha condições de levantar-se. Enquanto isso, a Rua da Praia desbordava de gente. Recuperava o corpo ao mesmo tempo que uma vergonha profunda o invadia. Sentia-se como uma criança perdida. Não tinha claro que, se alguém do escritório o visse, e o ajudasse, seria pior ou melhor. De qualquer forma, a ajuda não veio.
Mais uns minutos eternos e o formigamento dos membros cessou. A cabeça parecia melhor ordenada. Restava o machucado moral. Os cacos do ego quebrado lhe cortavam o ânimo. Tinha receio de levantar e ser visto. Pensava em como fazer para minimizar a exposição. Como levantar com dignidade e esconder-se no escritório? Perguntava-se se a roupa estaria suja.
No espelho da vitrine da loja em frente, reconheceu o estabelecimento onde estava: uma loja masculina classuda. Inclusive já comprara camisas lá. Mais um motivo para apresar a fuga. Podiam reconhecê-lo.
Um funcionário da loja acercou-se para levantar a cortina de aço. Nem olhou para Antônio e gritou: "Levanta daí, vagabundo!".
Santo remédio. O susto da ofensa o fez levantar como uma mola. Obedeceu e saiu andando sem olhar para trás. Com passos rápidos mimetizou-se entre os apressados da manhã.