Acabo de voltar de Nápoles. Estava em um congresso da IPA. Mas não é o que vocês estão pensando. Não se trata da Associação Internacional de Psicanálise. Foi uma reunião da International Pizzaiolo Association.
Esclarecendo, eu não faço pizza. Infelizmente, minha participação é teórica, eu sou do conselho de ética. Integro um coletivo que zela pelo nome e respeitabilidade da pizza no mundo. É um trabalho voluntário ligado à embaixada italiana. A cada quatro anos, nos reunimos e avaliamos o avanço da pizza pelo planeta, como estão os lugares e as redes famosas, se surgiram novas receitas ou uma nova abordagem do conceito.
Como sempre, quando é exibido o relatório sobre a pizza no Brasil, os novatos na associação colapsam. É clássico, geralmente pensam que é um stand-up para quebrar a seriedade. Desta vez foi preciso o presidente da IPA, Marzio Dipino, intervir e assegurar que não era um quadro cômico.
Acreditaram de fato quando exibiram as fotos das pizzas e os garçons servindo. Houve dificuldade em traduzir e explicar o conceito do que seria um rodízio. Algo que em Nápoles escandaliza tanto quanto o uso do ketchup. Passado esse estresse, chegou o do cardápio.
– Quem pediria uma pizza de milho? – Gritou um francês embasbacado. Foi preciso esclarecer que não era servido para presidiários, não era sadismo do colega, e, sim, havia quem voluntariamente pedisse.
Enquanto não houver pizza de chucrute, haverá esperança
Quando mostraram a foto da pizza de estrogonofe, uma espanhola ao meu lado chorava dizendo que a humanidade não tem cura. Na pizza de feijoada e de coração de galinha já estavam anestesiados.
A pizza de brócolis gerou uma questão filosófica. Os maîtres alemães diziam que a natureza do brócolis anulava o espírito da pizza. Seria uma contradição em termos, uma impossibilidade lógica, afinal o Dasein da pizza se esvaziava de sentido.
Esses choques prepararam para o terremoto final: os sabores doces. Pizza de banana com gemada, pizza de brigadeiro, pizza de sorvete! Ninguém acreditava que adultos comiam tal gororoba. Pensaram ser uma exceção, ainda que absurda, concedida ao paladar infantil.
Então começam as cobranças para a nossa delegação. Por que vocês deixam isso acontecer? Querem comer essas excrescências, que façam bom proveito, mas por que chamar isso de pizza? O que a pizza fez para vocês, para a tratarem tão mal?
Por sorte, tivemos ajuda. Um americano lembrou do caráter antropofágico da cultura brasileira e disse:
– Enquanto não houver pizza de chucrute, haverá esperança.
Não acabou tão mal para nossa delegação porque acabou em pizza. A pizza, como se sabe, exerce poderes pacificadores, cancela animosidades, reabre a fé no porvir. A pizza é um Carnaval de bolso, uma abençoada hóstia pagã, uma dádiva da culinária italiana para promover a paz mundial e a integração dos povos.