Uma vizinha nova chegou com um carro elétrico zero-quilômetro. Os vizinhos sideraram, modelo importado, elegante. Não só chique como ecologicamente correto. Ultratecnologia brilhando na garagem. Move-se sem ruído, feito um felino de lata.
Se no primeiro momento houve euforia, no segundo momento nem tanto. Foi o do 406 que notou a conexão junto à tomada na parede da garagem e comentou: – pois é, mas no fim nós e que pagamos os passeios. Disse apontando para a fonte de energia que recarregava o carro.
O do 501 já subiu o tom: – que absurdo, o condomínio arcando com a eletricidade dela. O quanto isso impacta na nossa conta?
O do 603 emendou: – não importa o que custa, mesmo que mínimo é dinheiro nosso. Eu sou contra.
A do 502 vinha passando e engrossou o coro: – nós estamos sendo roubados, você percebem?
A do 403 raciocinou: – dando golpes, até eu compro um carro desses!
O do 401, quando se inteirou do assunto, fez um grupo de WhatsApp entre eles para divulgar o fato. Decidiram não incluir o síndico para pegá-lo de surpresa. Poucas horas depois o prédio fervia com caso de desvio de energia do condomínio.
Acreditavam que essa era a deixa para mudar de direção. Era um ultraje a situação. Piorou quando souberam pelo porteiro que o síndico não só permitiu a instalação da tomada especial, como fiscalizou o trabalho do eletricista.
Foi o do 303 quem insinuou que o síndico e a vizinha... bom, vocês entendem. O que mais poderia justificar uma corrupção dessas?
O importante era parar o descalabro. O essencial era que corrupções como essa não ficassem sem resposta
As mensagens não paravam durante o dia todo.
Foi o do 403 quem pediu ao síndico, em nome de todos, uma assembleia urgente sem revelar os motivos. O síndico estranhou, a principio relutou, mas terminou aceitando.
Enquanto isso chapas de oposição eram montadas. Difícil o consenso sobre quem seria síndico, já que ninguém topava nem ao menos ser do conselho. Isso seria assunto para depois da derrubada. O importante era parar o descalabro. O essencial era que corrupções como essa não ficassem sem resposta.
No outro dia, no começo da reunião, o síndico tomou a palavra: – enquanto os outros chegam, relato pessoalmente o que está na última correspondência, já que poucos leem. A nova vizinha precisava de uma tomada para seu carro elétrico. Por isso chamou um eletricista para puxar a energia do seu painel principal até a garagem. Já que era a única beneficiada pagou do seu bolso. Mas como acredita que essa é uma tendência, fez o eletroduto – que é o mais caro – mais largo, para passar os próximos cabos de quem vier a optar por carros elétricos. Portanto queria agradecer em meu nome a generosidade dela que beneficia a todos no futuro.
A do 301 pergunta: – então a energia da tomada é dela?
O síndico responde: – óbvio, de que outra forma seria? Mas já que estamos todos, por que pediram a assembleia?