Não querer ter filhos é um assunto que nem deveria ser assunto. Afinal, por que não seria uma escolha de foro íntimo como outra qualquer? Mas não é assim que funciona. No caso dos homens, tampouco é bem-vindo, porém tolera-se que eles não queiram. Afinal, seriam menos afeitos à rotina doméstica, mais amantes da aventura e de horizontes mundanos. Mas as mulheres que podem ter filhos são vistas como traidoras do destino se ousam negar-se à missão reprodutiva.
Nem sempre é uma cobrança direta, mas uma conversa oblíqua em que o subtexto encerra a pergunta: qual é o teu problema? Afinal, a maternidade seria, além de um desejo óbvio, a prova da grandeza da alma e utilidade de uma mulher.
A lógica subjacente é de que existiria uma naturalidade no instinto materno. Portanto, quem opta por não ter iria contra o correto e até contra si mesmo. O refrão mais usado – "depois você vai se arrepender" – revela isso. A mulher que não quer estaria apenas momentaneamente errada, um dia vai se dar conta.
Faz parte da nossa herança histórica patriarcal restringir as mulheres à função materna. Mas convém lembrar que esse olhar reprovador provém com frequência de outras mulheres. A questão tem uma volta a mais. Para as mulheres que dizem sim, as que dizem não acendem questões que elas não querem admitir: primeiro, a maternidade não garante o sentimento de feminilidade autêntica que se esperava decorrer da experiência; segundo, talvez ter filhos não seja quintessência colorida das maravilhas. A recusa joga as outras no dilema: perguntar se realmente querem ter filhos, ou se gostaram de tê-los tido.
O porquê do não querer é múltiplo, caso a caso, muitas vezes decorre de ter outras metas na vida que seriam inviabilizadas ou prejudicadas pelos anos de devoção ao filho. Por vezes, passa apenas por não sentir vocação para o cargo e incumbência. São mulheres conscientes da gravidade da escolha, que não se acham talhadas para tal, ou mesmo sentem-se mais vocacionadas para outras missões. Portanto, não há uma falha, há uma escolha, uma maneira de encarar e levar a vida. Ter filhos não é o destino das mulheres, nem uma reclamação da sua natureza. Ter filhos é uma opção.
Quem trabalha com saúde mental vai lhe dizer que muitas patologias são oriundas de crianças não desejadas, concebidas por pressão social ou moral, criadas a contragosto, às vezes até com zelo, mas sem coração.
A maternidade é linda e realizadora quando há um desejo claro e meios para tanto. Mas maternidade não resolve problemas de identidade feminina. Maternidade não preenche uma vida vazia. Maternidade não resolve uma vida sem norte.
Antes de sucumbir ao senso comum de que a vida só adquire sentido num filho, pense mais. Na dúvida não ultrapasse. Respeite a sua vida e a que virá ou viria.