A vida das crianças está ameaçada por um bicho-papão feminino, só que desta vez os apavorados são os pais. Para quem está por fora, trata-se da Momo, originalmente uma escultura do artista japonês Keisuke Aiso. A figura lembra uma sereia grega, meio pássaro meio mulher. Aterrorizante e diferente da sereia europeia medieval que é linda e mesclada com peixe.
A Momo estaria imiscuindo-se nos programas infantis, dando instruções aos pequenos para matar-se. Seria uma versão infantil da Baleia Azul. Como qualquer lenda urbana, ninguém a viu. Ela é um rumor: alguém disse que ouviu falar que em algum lugar uma criança se matou. Nenhum canal sério noticiou nada parecido. Acompanhada de outras paranoias, essa pegadinha sinistra prolifera nas redes sociais, onde baboseiras travestidas de informação circulam sem filtro, movidas por pais alarmados que reenviam para seus contatos.
Por que crianças às quais pedimos 10 vezes para fazer os temas, ou tomar banho, aceitariam, de um estranho e sem questionar, a ordem para algo como subir no telhado e se atirar? Haveria algo hipnótico nas instruções? Estariam nossa crianças tão deprimidas, só esperando uma sugestão para cortar os pulsos?
Um dos medos paternos é o natural declínio de sua autoridade. Quanto mais a infância se encaminha para o fim, menor a potência da voz parental. A da Momo parece ter essa força que a de outros adultos não teria, mas somente porque instrui como se matar? Por que teríamos lhes legado um tão frágil vínculo com a vida?
Vamos aos fatos: não há registro de crianças matando-se com instruções macabras. Há uma epidemia de pais fantasiando com isso. Essa é a realidade que cabe pensar. Proponho duas hipóteses. A primeira é a ambivalência do amor aos filhos. Já sei, eles são a suprema realização, fonte de encantamento e do afeto verdadeiro. É verdade, mas nem sempre e nem tanto assim. Não poucas vezes, os pais se perguntam, nem que seja fugazmente, se realmente vale a pena todo esse esforço. Ninguém quer perder suas crias, não há de fato maior tristeza nem maior pânico do que isso. Mas quem não desejou instalar-lhes um botão de liga-desliga? Além disso, não é socialmente permitido falar dessa ambiguidade.
A segunda provável fonte dessa adesão ao boato são as dúvidas dos pais sobre a força que eles próprios, e seus filhos, têm para encarar a vida. Vivemos tempos que pedem performances eufóricas, fotos sorridentes em cenários de sucesso explícito. São imagens enganadoras, transmitidas pelas mesmas redes sociais que popularizaram a Momo. Ideais inatingíveis que produzem tristeza, depressão, desvalia e desânimo. Somos nós, adultos, que estamos correndo riscos com as bobagens das redes. Os pequenos estão brincando em paz.