Minha amiga foi taxativa:
– Te imploro, não vai nesta cartomante.
Mas, rebati, você não disse que ela conta a verdade?
– Sim, mas é uma verdade que não é bom saber.
Carla não era a única a me desencorajar. A irmã dela nem conseguia falar da consulta. Um mutismo desanimado lhe invadia o semblante e dali não escapava palavra. Só admitia que algo especial ocorreu.
Era uma cartomante diferente. No boato, apenas uma carta seria aberta e desta única viria a revelação sobre nossa vida. Soava disparatado e, talvez por isso, atraente.
A cartomante me fez entender onde me encaixo no rio da existência.
Carla me fez jurar pela saúde da minha mãe que ficaria longe da bruxa. O juramento foi fajuto. Desculpa, mãe! A curiosidade me corroeu e fui procurar a misteriosa Dona Cora.
O endereço era no fim da Protásio. Um lugar tão distante, que tive a impressão de ter saído de Porto Alegre. Encontrei o número num prédio residencial que parecia não ter sido acabado. O apartamento minúsculo era ainda mais precário. Pouca iluminação, paredes nuas e móveis velhos arrematavam o ar de desleixo do conjunto.
Esperava uma cigana de olhos verdes magnéticos e cabelos negros escorridos. Mas Dona Cora era uma senhora simples. Sabe essas tantas pessoas pelas quais passamos na rua e nem notamos? Trajava um vestido desbotado onde no passado houve um azul.
Sentou-se na minha frente e pediu que escolhesse uma carta do baralho aberto em leque em cima da mesa branca de plástico.
Retirei e virei. Veio um seis de paus.
– Você é um seis de paus.
Sim, e daí? Perguntei.
– É só isso, você é um seis de paus. Este é seu tamanho e seu lugar no mundo. Antes que a noite chegue, vai entender.
Durante essa fala, pegou nas minhas duas mãos e me olhou com força. Levei um choque. Uma parte de mim sentia-se idiota ouvindo besteiras de uma charlatã. Outra tinha medo e espanto. Paguei e saí como quem foge.
No ônibus de volta, uma sensação ruim agarrava meu peito. A frase dita soava absurda. Por que não reagi? Por que aceitei pagar? Como assim ser como uma carta de baralho? Aquela vaca é que é um seis de paus! Não eu.
Enquanto cruzava Petrópolis, uma ideia foi se formando. Veio a lembrança da minha mãe, uma costureira de pequenas causas que sofre por não conseguir ter seu próprio negócio. Depois, recordei meu pai, que levou a vida fazendo biscates. Morreu pobre até de sonhos.
Com tristeza, percebia um sentido diferente em tudo. Vislumbrei a lógica oculta no baralho. Há uma hierarquia de números e dos naipes, e um simbolismo em cada carta.
A pluralidade da sociedade está nelas.
O baralho fascina por não ser uma invenção arbitrária, é um reflexo da lógica da sociedade. Os naipes são os arquétipos essenciais da condição humana. Os números revelam a intensidade de nosso talento, a força com que nos agarramos ao destino.
A cartomante me fez entender onde me encaixo no rio da existência. Meu lugar por agora é insignificante e as marcas que deixarei no mundo serão mínimas. Sou um soldado raso sem chance de glória. Um peão de um imenso tabuleiro onde quem decide o jogo são os outros.
Carla tinha razão em tentar me proteger. Não há nada mais duro do que saber sem ilusões o quanto valemos. Espero, ao menos, que essa sabedoria me ajude a trocar de carta.
E você, caro leitor: qual a sua carta?