Em João Pessoa, há uma semana, um corretor de imóveis matou um taxista numa briga de trânsito. As cenas foram gravadas. O táxi manobrando interrompeu por instantes a passagem do carro onde o atirador vinha de carona. Gustavo Correia Teixeira, 43 anos, desceu, foi até a janela do táxi onde ocorreu uma discussão. Ele sacou uma arma e ceifou a vida de Damião dos Santos de 42 anos. Tempo total entre descer e matar: nove segundos.
Um corretor, de vida aparentemente normal, mas bêbado e armado, destruiu duas famílias: a dele e a do taxista. Matou um trabalhador e, por uma banalidade, cruzou uma fronteira sem volta, tornou-se um assassino.
Nas redes sociais, agora desativadas, se dizia um cidadão de bem, posava com armas e frequentava um clube de tiro. Provavelmente tinha intimidade com elas para se defender e porque acreditava estar do lado certo da força. Veio pela arma que o defenderia o golpe que o derrubou.
O maior drama da nossa espécie é o autoengano. Acreditamos estar mais no controle do que estamos. Quem realmente tem tutano para portar uma arma? Acredito que poucos têm um ar-condicionado no cérebro e não me incluo no rol.
Você, enquanto está lendo o jornal na tranquilidade de casa, provavelmente não faria uma besteira. Mas na rua, quando o sangue esquenta, como fica? Como reagiria se colocassem a mãe no meio em uma discussão de trânsito e estivesse armado?
E este é um lado da questão. Quem pode estar armado é o desequilibrado do teu vizinho que se melindra por nada. Um dia, ele embesta que você o ofendeu por uma ninharia qualquer. Uma fagulha incendeia aquele que está em seu dia de fúria e que desconta o recalque no azarado com quem cruzou. O desafortunado pode ser você.
A questão sobre a ideia dos homens de bem é que na verdade isso não diz nada, pois todos se julgam assim. Raramente duvidamos do nosso caráter e quase sempre acreditamos que o mal mora no outro lado. Assim pensava o atirador, e talvez estivesse certo, até que se fez bandido.
A questão é que as fronteiras não são rígidas. Não existe a essencialidade bondosa nem a essencialidade maldosa. Somos seres híbridos e qualquer um de nós pode fazer uma besteira. Nos educamos e nos treinamos para não, mas não podemos baixar a guarda.
O problema é com quem se acredita fora de risco por pensar-se sem ambivalências. Inebriadas da certeza de ser gente de bem, portanto incorruptíveis e controladas, essas pessoas acabam mais vulneráveis, surdas às próprias trapaças da autoimagem. Gustavo representa a tragédia da condição humana, tanto na sua possibilidade de mudar de lado por um momento de desatino quanto por ser surpreendido por um demônio interior que não sabia existir.