Um peixe velho passa por dois peixes jovens e pergunta: então, rapazes, como está a água hoje? Os dois o cumprimentam sorrindo. Quando se afastam, um pergunta ao outro: água, o que é isso?
Ignoramos que boa parte de nossas mazelas provém da ruptura ou fragilidade dos vínculos
Gosto dessa fábula/piada que o escritor David Foster Wallace conta em um dos seus ensaios. Ele se referia àquilo em que estamos imersos, que envolve-nos completamente, e do qual, surpreendentemente, não nos damos conta.
Reserve o raciocínio acima e acompanhe-me. Um psicólogo canadense, Bruce Alexander, desenvolveu um ecossistema que chamou de Parque dos Ratos. Providenciou para seus roedores uma grande jaula, com vários ambientes ricos em recursos, onde abrigava uma comunidade desses animais afeitos ao convívio. Depois disso, refez experiências clássicas que utilizavam ratos criados isolados para uso em laboratório.
Nem é preciso dizer que os resultados foram distintos. Ratos são essencialmente sociais, quando apartados, ficam em estresse crônico. Por exemplo, deixados solitários em uma gaiola, fornecendo-lhes drogas, o vício é automático. Já no Parque dos Ratos, eles se desinteressavam pelas substâncias, pois seu verdadeiro barato é a vida social. Centenas de experimentos, especialmente com drogas, foram invalidados, pois eram feitos com cobaias adoentadas pelo isolamento.
Depois que o ovo de Colombo é posto em pé, fica fácil. Como teria ocorrido, justamente a psicólogos, não levar em conta que a solidão, em animais sociáveis, contaminaria o experimento? Simples, essa é a água. Não os culpo: a ideologia vigente, que dribla até a ciência, tende a nos cegar a respeito do entorno, a "água" de laços sociais que habitamos sem perceber. Esses psicólogos projetaram nos ratos sua cegueira individualista.
Como a cultura do individualismo é invisível, ignoramos que boa parte de nossas mazelas provém da ruptura ou fragilidade dos vínculos. Apostamos nossas fichas apenas em nós mesmos e depois não sabemos por que estamos infelizes. Fomos condicionados a negar a força dos laços e valorizar o projeto pessoal de sucesso, os outros serviriam apenas como plateia para nossa glória.
Felizmente, o tempo ajuda: o peixe da história de Wallace sabe estar na água porque é mais velho. Quando perguntamos a pessoas de idade o que mudariam se refizessem seu caminho, respondem que gostariam de ter se dedicado mais aos que amaram, aos que foram decisivos em suas vidas. Só tardiamente entendemos a obviedade de que a felicidade inclui convívio, que os outros são a única solução.
Ou talvez possamos aprender com os experimentos fracassados. Quem sabe, eles nos ensinem que, na ausência da sociabilidade, resta-nos afundar nas drogas. Sem o olhar alheio, sobra-nos o mesmo que para aqueles ratos: o vazio da química. A essência da toxicomania seria a suplência de um desarranjo social.