Qualquer pessoa que já observou uma criança ou adolescente jogando um videogame violento chega à conclusão que aquilo não pode dar em boa coisa. Neles é possível matar de inúmeras formas: atropelar, decapitar, espancar até a morte. As vítimas podem ser monstros, mas também pessoas, animais, todos podem ser barbaramente destruídos. Pensar que isso incita à violência é quase óbvio. É um acinte à inteligência duvidar que tal prática não seja perniciosa.
Os jogos são inócuos quanto ao quesito incitar, ensinar e emular a violência
E se eu lhe dissesse que não! Que os jogos são inócuos quanto ao quesito incitar, ensinar e emular a violência. De onde tirei semelhante disparate? Da literatura científica a respeito: foram feitos centenas de testes, por vários psicólogos, de diferentes lugares e linhas teóricas. Sugiro um livro que comenta o somatório dessas pesquisas: Brincando de matar monstros, de Gerard Jones.
Cito isso para lembrar que o bom senso pode nos trair. Uma relação entre causa e efeito que parece natural, nem sempre procede. Recorro ao tema para descrever outro contexto, onde isso nos leva a caminhos igualmente enganosos: o sexo e seus traumatismos. Essas últimas semanas, muitas pessoas têm se pronunciado, com medo de que representações alusivas ao sexo possam desencaminhar alguém.
Meu trabalho é com pessoas que sofrem e entre elas, algumas padecem dos efeitos de abusos sexuais. Outras procuram tratamento por terem alguma desavença com seus desejos eróticos. Ou seja, o sexo, as identidades de gênero e seus desdobramentos são meu tema, como também da comunidade psi. Nosso cotidiano é escutar como o sexo se encaixa na vida de cada um.
Quando temos intimidade com uma história, podemos supor o que causou certo destino e quando algo foi abusivo ou traumático. Nunca topamos com um trauma proveniente de uma representação, mas sim de uma experiência. Tampouco encontramos traumas oriundos de algo visto em um cinema, na TV, em um livro, uma obra de arte. O que determina, machuca, fere são sempre outras pessoas em experiências concretas.
Não é a visão de um órgão sexual no papel ou em uma escultura que traumatiza; já o mesmo órgão mostrado por um exibicionista, com sua aparição intempestiva e agressiva, deixa marcas. O mesmo vale para um abusador: ele se constituiu a partir de traumas reais, não se tornou assim por sugestão alheia.
A violência não se instala por brincar com ela e sim pelo convívio com pais brutais, colegas agressivos ou um cotidiano violento. O mesmo se dá com o que traumatiza no sexo, depende das pessoas ao redor da vítima e de como o fato foi discursado. Se algo fere a sensibilidade adulta de alguns, não quer dizer que cause danos aos mais jovens. Como diria o Veríssimo, temos o "sexo na cabeça", todos nós, por isso ficamos sempre nervosos a seu respeito.