Com um tempo de 2h17min01s, a queniana Mary Keitany conseguiu bater, na Maratona de Londres, no último dia 23, um recorde que durava 12 anos. A detentora da marca era a britânica Paula Radcliffe. Esse tempo incrível, de apenas 14 minutos a mais do que o recorde masculino de Dennis Kimetto, torna difícil de acreditar que, cinco décadas atrás, não era permitido que mulheres participassem de maratonas oficiais porque se pensava que elas não tivessem condições físicas para completar uma tarefa tão extenuante.
Tudo mudou a partir da "ousadia" de uma americana. Aos 20 anos, Kathrine Switzer se inscreveu para participar da Maratona de Boston, em 1967. No momento da inscrição, sequer havia campo para o preenchimento de gênero do participante. Ela utilizou as iniciais "K.V. Switzer", mas não foi para se esconder. Kathrine costuma reafirmar que em momento algum tentou apagar sua presença, pelo contrário. Usava brincos e batom. As iniciais eram uma forma de assinar utilizada desde a adolescência, fruto de uma admiração por autores como J.D. Salinger e T.S. Eliot.
O que tornou sua corrida icônica foi o fato de que, logo no início da prova, fotógrafos perceberam que ela participava e começaram a gritar que havia uma garota na corrida. Então, pouco depois de fechar sete quilômetros, o diretor da prova, Jock Semple, apareceu de súbito e tentou praticamente arrancar Kathrine do percurso. Corriam ao seu lado o técnico e o namorado, que a defenderam, impedindo que ela abandonasse a maratona.
O registro fotográfico, porém, estava feito. E a partir dali, sem querer, Kathrine começou uma revolução nas corridas de rua. Ainda que não tivesse essa intenção inicial, a americana entendeu que precisava defender a participação das mulheres nesse tipo de prova. Ela completou a maratona em aproximadamente 4h20min, mas não teve o tempo registrado pela organização.
Em 1972, passou a ser permitida a presença de mulheres em provas oficiais. Kathrine se tornou atleta profissional e venceu a Maratona de Nova York em 1974, ao tempo de 3h07min29s. Depois disso, foi figura importante na luta para incluir a modalidade da maratona feminina nos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, pois em 1977 criou o Avon International Running Circuit, iniciativa que hoje possibilita 27 programas de corrida para mais de 1 milhão de mulheres ao redor do mundo.
Neste ano, quando se completaram 50 anos da tentativa de retirada de Kathrine da prova, a americana participou novamente da Maratona de Boston, no último dia 17. O número no peito era o mesmo, 261, agora aposentado pela organização da prova como uma forma de homenagem. Ele também dá nome à organização recentemente criada por Kathrine: 261 Fearless. O projeto busca encorajar e incluir mulheres em práticas de corridas.
Aos 70 anos, e com 39 maratonas no currículo, Kathrine concluiu a Maratona de Boston de 2017 em 4h44min31s. Só que dessa vez ao lado de pelo menos outras 14 mil mulheres inscritas.