Dinheiro não traz felicidade. Quem não ouviu ou repetiu a frase que tem a capacidade de gerar discussão imediata em qualquer mesa de bar? O Flamengo tem dinheiro, e muito!
Mas depois daquele 2019 mágico, com o português Jorge Jesus no comando e as conquistas da Libertadores e do Brasileirão, será que clube e torcida foram felizes de novo? E por que todo esse dinheiro — a arrecadação passa de R$ 1 bilhão por ano — não traz felicidade?
Não é preciso um estudo muito grande nem uma imersão de 15 ou 20 dias no Rio para saber como funciona o pensamento do torcedor rubro-negro. Passe uma semaninha por lá e vai entender o que estou falando.
Todo o flamenguista venera o Zico acima de todas as coisas, usa o nome Flamengo em todas as frases (sempre gritando), tem certeza que o mundo só existe porque existe o Flamengo, cria ídolos em dois ou três jogos e, nesses tempos de abundância, tem certeza que o seu time pode ser o melhor do mundo. E quando digo o melhor é o melhor mesmo. Sim, eles acham que o Flamengo pode rivalizar com o Real Madrid e o Manchester City.
E aqui mora o grande problema. A paciência é zero e todo e qualquer técnico precisa fazer o time jogar como se fosse o Barcelona do Guardiola. Rogério Ceni foi campeão brasileiro e demitido. Dorival Jr ganhou Copa do Brasil e Libertadores, mas também acabou demitido. Só a administração atual, de Rodolfo Landim, já pagou R$ 50 milhões em multas rescisórias.
Tite foi picado pela mosca encantada do "Riu". Sim, com a vogal "u" no final. É assim que os cariocas falam a nome da capital do estado. Tite morava em São Paulo, num bairro nobre e tranquilo chamado Anália Franco. Ele foi campeão de tudo no Corinthians e, no maior centro financeiro do país, era rei. Mas aí veio o convite da CBF e ele mudou para o Rio de Janeiro para comandar a Seleção.
Por lá, dava expediente na sede da entidade, na Barra da Tijuca, criou sistemas e processos, mergulhou no novo trabalho e na cidade. Andava na bela orla, sentia a maresia sensacional de manhã cedo e, aos poucos, foi se apegando ao lugar e as pessoas. Foi aí que a "nação" entrou no radar dele. Porque no "Riu" tudo é Flamengo.
Como a torcida é maioria em todos os lugares, tudo é Flamengo. É impossível não perceber que o sucesso nesse clube pode significar o paraíso. E ele disse sim. E pegou o time já na reta final do Brasileirão do ano passado, contrariando o que tinha dito quando deixou a seleção. Ali estava o primeiro passo em falso. Tite cedeu à pressão das ruas. O Flamengo era maior do que qualquer decisão pessoal.
O problema é que o futebol não faz concessões em campo. Outros times se organizam, investem, mas também jogadores se lesionam, erram, brigam, são humanos. O "mais querido", segundo sua torcida, e o mais rico da América do Sul, segundo a matemática, foi eliminado da Libertadores pelo Peñarol. O Peñarol do Diego Aguirre, que tem seu orçamento anual do tamanho do salário de dois jogadores do Flamengo.
O trabalho de Tite já deveria apresentar melhores desempenhos, claro, e, ainda assim, o time está na semifinal da Copa do Brasil e pode ser campeão em 2024. Mas Tite não serve mais. Para os sonhos megalomaníacos da nação e seus dirigentes, é pouco. Tite foi demitido depois de uma vitória que manteve o time no G-4 do Brasileirão. Muito para quase todos os outros times. Pouco para o Flamengo.
No Brasil, existe um time que é a sua cara. O Flamengo faz tudo certo e tudo ao errado ao mesmo tempo. O maior treinador brasileiro dos últimos 20 anos é a mais nova vítima desse moedor de carne que funciona 24 horas e os 365 dias do ano.
Boa sorte, Filipe Luís, a nação te abraça! E Tite, o apartamento de frente pro Guaíba é teu ainda, né? Acho que metade do RS quer te dar um abraço em janeiro...