Estou encantado com a chegada do 5G, mas não por algumas razões que vejo apregoadas. Não quero, por exemplo, um veículo autônomo no qual eu embarque, sente no banco de trás, se houver banco de trás, e siga reto e silencioso até o destino. Sou dos que consideram um privilégio poder dirigir, mudar de rota só pelo prazer da paisagem e até decidir as marchas para ter mais controle do veículo, motocicleta em especial, e não pretendo transferir esse regalo a nenhuma máquina.
Não me tomem, portanto, por um jurássico avesso a novidades. Posso até ser um dinossauro digital, mas só porque vaguei pelo desconhecido território da web antes da civilização atual. No primeiro semestre de 1995, às vésperas do lançamento da internet comercial no Brasil, fui um dos 20 escolhidos no Rio Grande do Sul para testar a tal de WWW pelo Via-RS, primeiro provedor do Estado, ousadamente lançado na época pela Procergs.
Instalei os cinco disquetes no meu PC e, depois de ouvir aquele chiado característico das conexões por telefone, foi como avistar as praias do Novo Mundo pela amurada de uma caravela. Fiquei tão maravilhado com os códigos que iam surgindo na tela que acabei fazendo uma custosa ligação de duas horas em DDI para os EUA (alô, jovens, era assim que falávamos com outros países em épocas de antanho) para poder percorrer os primeiros sites bacanas na estonteante velocidade de 14 kbps - hoje se navega corriqueiramente 10 mil vezes mais rápido. Tive de esconder a conta telefônica daquele mês em casa, mas percebi ali que o mundo nunca mais seria o mesmo.
O 5G de fato alarga as fronteiras da inteligência artificial, mas peço que passe ao largo da minha geladeira. Essa internet das coisas deve ter alguma utilidade prática, mas não quero que o algoritmo ou seja lá o que for fiscalize meu consumo de iogurte e, na falta dele, decida sair comprando a mesma marca, o mesmo sabor, no mesmo local. Idem com a cerveja, o pão, a carne e todo o resto. Onde ficam o meu direito de escolha e, principalmente, meu direito de experimentar e errar?
Errar e acertar é da natureza humana e, se não houver maior gravidade do que desaprovar uma novidade meia-boca, mal nenhum faz. Aliás, experimento é a base da inovação. Vale para a economia, vale para os hábitos pessoais. Imagine entrar em um supermercado, com toda aquela variedade, e comprar sempre os mesmos produtos, com os mesmos rótulos e os mesmos paladares a vida toda? Perder-se pelas prateleiras, assim como às vezes perder-se pelas estradas e enveredar por outros caminhos, significa a possibilidade da descoberta. Cabral não veio dar no Brasil querendo ir para as Índias? Então, bem-vindo, 5G, mas deixe as caravelas à mercê do vento ou da falta dele de vez em quando.