Que a guerra evoca que há de pior e melhor no ser humano já é bem conhecido. Pelo lado ucraniano, a extraordinária bravura e os atos de solidariedade na resistência ao invasor se confrontaram com a escolha, pela cor da pele, de quem obteve num primeiro momento preferência nas filas de imigração e com a ação de saqueadores, devidamente atados a postes com fitas crepes e cartazes. Pelo lado russo, a coragem dos milhares que ousam protestar contra a invasão na Ucrânia mesmo com a prisão como destino certo contrasta com uma lista infindável de atrocidades, que vão de ataques a prédios civis à negligência de Moscou em repatriar ataúdes com soldados mortos para não produzir cenas desagradáveis.
Poucas vezes na história recente dos conflitos, porém, se viu tamanha disparidade entre dois líderes de países em guerra. Vladimir Putin é o vilão perfeito para o mundo de hoje, um tipo extraído dos filmes de 007 que é impedido na última hora de explodir o planeta. Devoto de pompas e distanciamento, Vladimir guarda feições talhadas a cinzel e parece incapaz de relaxar mesmo em uma roda de amigos. Quer se fazer ver como sério e responsável, mas a imagem que transmite para fora de seu círculo de apoiadores é a de um homem taciturno e obcecado, incapaz de se emocionar, de revisar opiniões ou de aceitar que as coisas nem sempre saem como se gostaria.
Vladimir é o retrato do político pré-internet. Autoritário e primitivo, acredita que, ao censurar sites e TVs, as pessoas deixarão de ter acesso a relatos e vídeos que, na verdade, viram bolas incandescentes, e muitas vezes distorcidas, nos grupos de mensagem e redes sociais. Neste novo mundo digital, mais horizontal e libertário e onde os líderes agem como cidadãos comuns, Vladimir se move pelo fausto do Kremlin como uma figura imperial que impõe sua presença pelo terror, não pela admiração espontânea.
Seu oponente é o oposto – e não apenas por ser um quarto de século mais jovem que Vladimir. Volodimir Zelensky é o produto de um novo tempo em que entretenimento e mundo virtual se confundem com a política e a realidade. Ex-comediante e ator que fez sucesso no papel de um presidente improvisado em uma minissérie ucraniana, Volodimir fala com o coração enquanto Vladimir discursa com os punhos. A barba por fazer, o traje militar despojado, a disposição ao sacrifício, as frases rápidas e diretas, transmitem sinceridade e urgência em um mundo acostumado ao faz-de-conta da diplomacia e da enrolação do jogo político.
Na batalha pela imagem, Volodimir já conquistou, com méritos, as graças de grande parte do planeta, sobretudo de jovens apaixonados que envergam as cores azul e amarela da Ucrânia em manifestações pelo mundo. Para o presidente ucraniano, as redes sociais são mais familiares do que os corredores palacianos e, mesmo em contatos com repórteres, ele conversa como se fosse um companheiro de boteco a discutir os resultados do futebol.
Na história do último século, tal grau de contraste só é batido pelo confronto entre Churchill e Hitler. De um lado, o primeiro-ministro com jeito de avô rigoroso, mas amoroso e confiável, dono de discursos tão graves quanto inspiradores. De outro, a figura sinistra e marcial que despejava um palavrório ensandecido sobre as massas. Ao seu modo, ambos tinham adeptos. Mas, se a história se repete, ao fim e ao cabo quem representa a liberdade, a democracia e a resistência ao opressor, e o faz com natural emoção e legitimidade, fica ao lado da História e por ela não costuma ser abandonado.