O caldeirão onde fermentam as guerras tem muitos ingredientes. Ambições territoriais e econômicas, medos, diversionismos, provocações, preconceitos religiosos e culturais, velhos rancores e alianças automáticas estão na raiz de muitos conflitos, mas também o desejo de autonomia e de se libertar do jugo de algum regime opressivo.
No caso da Ucrânia, o caldo explosivo tem um pouco de tudo, com um agravante. Além do enorme custo humano e social, o problema de se desencadear uma guerra nas estepes ucranianas é que se sabe como ela começa, mas não se tem ideia de como ou quando irá terminar. Exemplos históricos recentes são um desestímulo aos senhores da guerra. O próprio desmoronamento da União Soviética, a que Vladimir Putin assistiu como oficial da KGB, se conjuga com o esgotamento econômico do regime comunista pela invasão, inútil e custosa, do indomável Afeganistão.
Felizmente, os provocadores de guerras já nem sempre se cobrem de louros. A junta militar argentina foi derrubada depois do cálculo equivocado sobre a invasão das Malvinas, o todo-poderoso Saddam Hussein se escondeu em um buraco e acabou na forca depois de guerrear contra o Irã, invadir o Kuwait e mandar matar o próprio povo, enquanto os herdeiros do socialismo iugoslavo foram para os desvãos da história após a guerra no Kosovo.
Putin é quase uma exceção nesse quadro de derrocadas. Ele viu sua aura de restaurador da glória czarista resplandecer depois da tomada da Crimeia e da invasão da Geórgia. Mas na rica e próspera Ucrânia a conversa é outra. Os ucranianos sonham em se livrar das amarras de Moscou e se juntar à União Europeia – a razão, aliás, da sangrenta revolução da Praça Maidan, em 2014. Uma resistência aguda, dentro e fora da Ucrânia, seria inevitável, traumática e de consequências imprevisíveis.
Putin não titubeia por causa do custo humano e militar. O que o freia é o peso de sanções que atingirão o cerne de seu regime, amparado por uma oligarquia que se esbalda em megaiates, castelos na Europa e clubes de futebol pelo mundo. No idos dos anos 90, em duas temporadas para séries de reportagens no ocaso da URSS e no nascedouro da nova Rússia, testemunhei o surgimento dessa classe. Diante do vácuo de poder com o fim da União Soviética, próceres do regime comunista, com as conexões certas, se adonaram dos arquipélagos de empresas estatais e enriqueceram subitamente, em um caso clássico de acumulação primitiva de capital. Os amigos de Putin - ele próprio um dos homens mais ricos do planeta – não chegaram até aqui para correr o risco de pôr tudo isso a perder.