Depois de se ejetar do Judiciário e ser mandado para o espaço pelo presidente Bolsonaro, o ex-juiz Sérgio Moro reentrou na atmosfera política brasileira disposto a esquentar a corrida pelo Planalto. Ainda que tenha chances rarefeitas de sentar na cadeira presidencial, Moro veio incandescente: pelo que se viu nas redes sociais à esquerda e à direita desde anúncio de que está no jogo, ele conseguiu unir contra si os polos Lula e Bolsonaro.
A virulência dos ataques evidencia que Moro importunou os dois opostos, mas o discurso de reaparição tinha um alvo claro: o eleitorado deserdado de Bolsonaro. O ex-juiz se reapresentou como a alternativa conservadora que não só sabe o significado de Harvard mas também é convidado para palestras na universidade. Para os bolsonaristas, Moro se transformou no que delatores petistas representam para os lulistas: traidores da causa por terem renegado a criatura que os aninhou no poder. Moro se tornou um delator do governo Bolsonaro e, por isso, precisa ser apresentado pelo presidente e aliados como uma figura vil – tanto quanto os petistas abominam aqueles que entregaram os seus na Lava-Jato.
Até a chegada de Moro, havia dois pré-candidatos se odiando mutuamente – e um terceiro, Ciro Gomes, espezinhando Lula e o PT, além de mais uma fila de nomes que, por enquanto, mal figuram nas pesquisas. Agora, o caldo de aversões ficou mais espesso, ainda que Moro tente se vender como o candidato antissistema acima de questiúnculas como o fato de ter mandado para a cadeia um potencial adversário no segundo turno. O realismo fantástico da política brasileira não encontra mesmo limites.
Paradoxalmente, a chegada de Moro ao amontoado de pré-candidatos pode beneficiar outro nome da terceira via. Com todos brigando no recreio, o aluno mais aplicado pode passar ao largo das inevitáveis cicatrizes da luta ensandecida no topo das pesquisas. Neste caso, o vencedor das prévias do PSDB, favorecido pela exposição proporcionada pela disputa, leva alguma vantagem – desde que se posicione como alternativa real a Bolsonaro, tendo-se em conta que o território da centro-esquerda é dominado por Lula.
Em seu afã populista, Bolsonaro derreteu a credibilidade fiscal, explodiu o câmbio e acordou a inflação, além de o país ter perdido tempo e vidas com a resistência às vacinas e a crendice em medicamentos milagrosos. Apesar da legião de seguidores fanáticos e do torra-torra do Auxílio Brasil, Bolsonaro é, pois, um candidato com fragilidades capazes de empurrá-lo para fora do segundo turno – contanto que Moro e o vencedor da prévia do PSDB se unam, arrecadando outros apoios no caminho. No segundo turno, com o fator Moro reembaralhando as cartas, seriam, então, todos contra Lula. É um desfecho imprevisível.