* Jornalista do Grupo RBS
No fim dos anos 80, diante de um factoide sobre a possível separação da metade sul do Estado, Zero Hora despachou-me para descobrir o que havia de concreto na sensação de desamparo da região. Durante quase uma semana, perscrutei a alma da Metade Sul, o que incluiu uma incursão a Minas do Paredão, um povoado nos confins de Piratini que desconhecia televisão. A série de reportagens publicada em ZH concluía que havia motivos para queixas, mas o maior problema da Metade Sul eram as divergências domésticas de suas lideranças.
Quase três décadas depois, não apenas Minas do Paredão tem página no Facebook como a Metade Sul está produzindo um exemplo para o Rio Grande do Sul e o país. Em oposição às dissensões políticas, às rivalidades locais e ao clima geral de beligerância ideológica, a região se uniu por uma causa: a duplicação urgente da BR-116 Sul. A obra é de uma obviedade acachapante. Pela 116 passa a economia do Estado rumo ao porto de Rio Grande e ao Mercosul, mas, sobretudo, nela trafega também uma contabilidade macabra de mortos e feridos em tragédias quase diárias.
Mais da metade da duplicação estava pronta quando aconteceu aquilo que acontece no Brasil com regularidade assustadora. Por falta de planejamento e de dotação orçamentária, a duplicação parou. E os viajantes passaram a percorrer os 211 quilômetros entre Guaíba e Pelotas observando uma via paralela, semiconcluída e entregue à burocracia, ao desperdício e à costumeira irresponsabilidade do planejamento estatal.
A duplicação da 116 é um triste retrato do Brasil em que a razão da existência de governos virou a manutenção de uma máquina ineficiente, sacrificando o sentido primário de que os impostos deveriam ser revertidos para obras e o bem comum. Sem se apegar a disputas partidárias ou antigas desavenças, as lideranças políticas, econômicas e sociais da Metade Sul decidiram dar um basta. Definiram sua prioridade, criaram uma aliança, que inclui também serviços públicos essenciais, como a PRF, mobilizaram as comunidades e foram defender sua causa nobre.
Abraçada pelos veículos da RBS, dentro do propósito de informar para transformar, a campanha começa a dar resultados e já destravou recursos suficientes para a duplicação ser retomada, mesmo que a conta-gotas. Ainda há um enorme caminho a percorrer, mas a Metade Sul ensina duas lições para um país conflagrado. A primeira é que a vida segue e as coisas precisam ser feitas. A segunda, talvez ainda mais duradoura, é que o Brasil e o Estado precisam de denominadores comuns, e lideranças em todas as frentes com real sentido público, para finalmente sairmos do atoleiro da autodestruição.