O processo de impeachment produziu uma série de situações inesperadas e muitas incógnitas. Algumas delas que emergiram na segunda-feira:
- José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, virou o porta-voz de facto do governo Dilma. A presidente aprova seu estilo incisivo e sua performance de advogado do júri, apesar de Cardozo não mudar de versão nas suas muitas intervenções e de se prender a filigranas jurídicas para defender o governo, quando até as carpas do Planalto sabem que o processo de impeachment é político.
- Fisionomia tensa e grave, Cardozo protagonizou uma entrevista coletiva em um dos horários mais insólitos da história da Presidência do Brasil: ele recebeu a imprensa no Planalto pouco depois da meia-noite de domingo e encerrou a entrevista perto da uma da madrugada. No Palácio à meia luz, a entrevista foi acompanhada por servidores com semblantes enlutados e pelo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, que, em jeans e camisa, ficou a um canto, apenas ouvindo Cardozo falar da indignação da presidente.
- A hipótese de Dilma propor a antecipação da eleição para presidente nasceu bem antes da sessão de domingo na Câmara. A hipótese vinha sendo debatida intramuros e incluía a possibilidade de Dilma sobreviver ao impeachment mas não à crise de governabilidade. O plano B dos petistas precisa de três quintos do Congresso para ser aprovado - ou seja, tem nenhuma chance de prosperar, ainda mais com a certeza de uma candidatura Lula. O objetivo real da discussão é enfraquecer Temer e constrangê-lo, além de gerar argumentos a favor do PT de que buscou uma saída constitucional para o que chama de "golpe de abril".
- Ironia da história, Dilma e o PT vão tentar conquistar o voto de Fernando Collor no Senado. O último presidente destituído, em grande medida pela ação do PT, está no PTC e ainda não declarou seu voto. Não é absurdo se admitir que, no julgamento pelo Senado, que exige o voto de 54 senadores para afastar Dilma em definitivo, o voto de Collor possa mudar a história.
- O Banco Central entrou em ação logo cedo na segunda-feira para demonstrar que, em se tratando de política monetária, não há limbo e que alguém está no comando do navio. Ao entrar comprando R$ 4 bilhões em dólares, o BC segurou a cotação e deu uma prova de que não aceitará oscilações bruscas da moeda no meio da tormenta.
- Tem muita gente achando que em Brasília ocorreu no domingo o genesis ou apocalipse. Nem um e nem outro. Nem começou uma era de renovação na política e nem o lulopetismo foi enterrado com a votação do impeachment. O que se viu foi uma rearrumação das abóboras na carroça da política nacional.
- Deputados do PT, do PCdoB e do PDT andavam angustiados com suas chances de reeleição em 2018, até domingo amarradas ao barco naufragado do governo Dilma. Assim que forem alforriados de defender um dos governos mais impopulares da história, vão se aboletar na oposição e fustigar Temer por todos os lados. E os que recolheriam bateladas de votos com o sangramento de Dilma vão ter de, tão logo passe a euforia pela subida da rampa, justificar as imprescindíveis medidas duras que Temer terá de tomar caso queira alguma chance de sucesso.
- A vida foi bem mais fácil para Itamar Franco do que será para Michel Temer. Há 24 anos, Itamar, um político turrão e desajeitado, entrou para a história porque permitiu que uma equipe liderada por Fernando Henrique Cardoso derrubasse a inflação, estabilizasse a economia e lançasse as bases de um novo país. Agora, se fosse apenas a inflação, esse seria o menor dos problemas: a missão de Temer é tirar o país do pântano do desemprego, da recessão, da irresponsabilidade fiscal, do corporativismo, da corrupção generalizada - tudo isso sem abrir mão dos investimentos em infraestrutura, dos programas sociais e sem aumentar impostos.
* Zero Hora