É segunda-feira de manhã. Mesmo que em caso de derrota de Dilma na Câmara seja necessário esperar o rito no Senado, um pedaço do Brasil amanhecerá no lado perdedor e outro no vencedor. Dilma ou Temer, o primeiro desafio do vitorioso da queda-de-braço travada em Brasília deve ser se atirar em um incansável esforço para sarar feridas e pacificar o país.
Para o bem das próximas gerações, na segunda-feira já não fará diferença discutir quem deu início a este embate que foi subindo de tom, se tornando agressivo, irracional e se aprofundando a tal ponto que ergueu literalmente um muro no coração de Brasília. O fosso pode não ter apartado o país em metades iguais, mas essa contabilidade também não é mais essencial: o fundamental é que a manutenção da radicalização aniquilará qualquer chance de uma agenda mínima para colocar o Brasil no prumo e na trilha do crescimento.
Apesar da enorme pressão e de devaneios palacianos, Dilma tem formulado alguns raciocínios sensatos: ela repete que quer governar para todos os brasileiros, condena a turma do "quanto-pior-melhor", pelo menos menciona a necessidade de reformas e prega um pacto para resgatar a economia. Se porventura Temer vier a assumir seu lugar, seria lógico esperar que o futuro presidente exiba o mesmo discernimento de que há 204 milhões de brasileiros sob seu governo, embora seja difícil crer que Dilma e seus apoiadores venham a manter os princípios conciliadores de agora caso sejam despejados do Planalto. O mesmo vale para a turma do vice-presidente. Derrotado o impeachment, estariam os defensores da queda de Dilma dispostos a aceitar candidamente as regras do jogo político?
Aí é que está o problema: os dois lados ensaiam discursos pacificadores e de união nacional, mas apenas para a hipótese de serem eles os inquilinos do Planalto. Se o lado perdedor se entrincheirar na guerrilha permanente, seguiremos como um país dilacerado moralmente, com mais muitos milhões retornando à linha de pobreza. Destroçada pela ideologia sectária e pelo rancor mútuo, a Venezuela ingressou nesse estágio, em um redemoinho que tragou todas as instituições, Forças Armadas e Judiciário inclusive, mergulhando o país em uma Guerra Fria interna.
Felizmente ainda não somos a Venezuela. Mas há riscos. Para contorná-la, é preciso ter em mente que, em uma democracia, o saudável antagonismo tem limites: a Constituição acima de tudo, mas também um mínimo de educação e respeito por posições adversárias. Por isso, se valores fundamentais da civilidade forem pisoteados a partir da votação na Câmara ou Senado, venham de onde for, será preciso que a democracia brasileira aplique a força da lei, sem concessões aos que querem rasgar a Carta Magna ou apelar à violência física para tentar impor sua vontade.
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