No final do primeiro milênio, um viking conhecido por Erik, o Vermelho, foi banido da Islândia, onde vivia com seu clã. Erik navegou a oeste, encontrou um mundaréu gelado e voltou à Islândia (Island, a Terra do Gelo em norueguês) dizendo que havia encontrado a Groenland, a Terra Verde, um chamariz para convencer a turma reticente em segui-lo.
Pois há mil anos grande parte do mundo chama a Groenlândia de Terra Verde (Greenland em inglês, grünland em alemão) e nem por isso nasce uma árvore nela. Além de servir de alerta de que não basta um bom slogan - é necessário, antes de mais nada, um bom produto -, a esperteza de Erik demonstra que as pessoas acreditam no que querem e, principalmente, no que precisam acreditar.
É o que acontece, por exemplo, com a palavra golpe. Dilma e aliados vêm descrevendo o processo de impeachment como "golpe parlamentar, "golpe de Estado" e outras variações. Tachar de golpe o rito em curso no Congresso é uma previsível estratégia de marketing, embora seja difícil de acreditar que 367 parlamentares tivessem se juntado para dar uma rasteira na democracia brasileira no domingo passado. Se for verdade, é mais preocupante do que parece: 72% do parlamento, em um rito endossado pela suprema corte, teria agido em conluio com a maioria da opinião pública para dar cabo do regime democrático. Ver golpistas até debaixo da cama é muita Groenlândia para esse estágio da vida nacional.
É evidente que a votação na Câmara, com momentos histriônicos e bizarros, não foi um processo jurídico. Tivesse o impeachment esse caráter, deveríamos restituir imediatamente a Presidência a Fernando Collor de Mello, uma vez que o pobre homem acabou inocentado pelo STF depois de condenado e despejado pela Câmara e pelo Senado. Todos que votaram contra Collor em 1992, com o PT à frente, devem então passar para a história como golpistas?
Eu estava a poucos metros de Dilma no Palácio do Planalto quando ela fez o primeiro pronunciamento pós-votação, na segunda-feira passada. Mais do que pelas palavras já um tanto repetitivas, interessei-me pelo semblante e pelo olhar da presidente. Quando Dilma se declarou uma "injustiçada", vi sinceridade nela. A presidente acredita do fundo da alma que está sofrendo uma injustiça, o que é compreensível e natural. Como a presidente sairia da cama de manhã se não estivesse convencida de que tudo não passa de um grande golpe, uma armação, uma conspiração de todos - do povo de amarelo na rua ao STF - para derrubá-la?
Ao longo dos governos militares, seus defensores só se referiam ao regime como "a Revolução", predestinada a salvar a democracia e acabar com a corrupção. Eles acreditavam nisso. Dilma também precisa acreditar na sua Terra Verde. Essa crença é verdadeira e, como todas as crenças, deve ser respeitada. Mas não significa que vá nascer uma árvore daí.
Leia outras colunas em
zerohora.com/marcelorech