Então estamos assim. Temos um ex-presidente que, se descobre agora pelas escutas, nunca desvestiu a faixa presidencial, uma presidente a zanzar como um zumbi político a tratar seu criador por "senhor" e um vice-presidente que já esculpe o ministério e lapida o discurso de posse. A pergunta seria impensável há um mês, mas nesta quadra surreal da vida nacional a dúvida é óbvia: quem exerce de fato no momento a Presidência do Brasil?
Formalmente, a caneta segue nas mãos de Dilma. Seus atos ainda têm força legal, aquela que se manifesta por intermédio do Diário Oficial. Mas, ao trazer Lula para seu lado, Dilma no fundo só tornou público o que era uma realidade oculta pelos protocolos palacianos. Por obra e graça dos grampos autorizados por Sérgio Moro, é possível se verificar como o ex-presidente dava ordens e carraspanas em ministros, cobrava resultados e amizades e negociava apoios a projetos do governo nos bastidores. Todo mundo já desconfiava, mas agora ficou escancarado: era Lula quem manejava as cordas no Planalto. Com sua ascendência mítica sobre o petismo, Lula assumira a condição de ventríloquo que vocalizava suas orientações pelas bocas de terceiros para que as coisas seguissem sem contestação no rumo que pretendia imprimir.
Quase empossado, Lula não precisa mais dos intermediários, mas sua entronização palaciana talvez tenha chegado tarde demais. Entre a condução coercitiva e as escutas, com as ruas tomadas por masssas que desfilam com Pixulecos nas mãos, seu poder se esvaiu subitamente e levou de roldão o que restava das aparências e da governabilidade de Dilma. Nos grampos, Lula é mais Lula do que nunca - e não o estadista que alguns marqueteiros quiseram pintá-lo. Com a ressalva de que poucas reputações sobreviveriam a uma escuta, aparece ali o Lula mais íntimo: um boquirroto disposto a enredar a todos, até um constrangido ministro Nelson Barbosa, para se desembaraçar de seus problemas.
Este ocaso da Era Lula que se assiste em praça pública segue um padrão de fim de festa. Primeiro, vem o descrédito: ninguém mais dá atenção aos anúncios mirabolantes e promessas do chefe de Estado ainda no cargo. Depois, surgem iniciativas destrambelhadas, desesperadas e arriscadas, como nomear um ministro da Justiça por horas, inventar um foro privilegiado para um investigado pela Justiça ou convocar militantes à guerra. Em seguida o governo se esfarela pelas deserções, como a do PRB e a mais do que anunciada do PMDB e de partidos menores. Em política, o futuro antecipa o presente. Assim, a penúltima etapa se traduz no repentino prestígio do sucessor. No cruel epílogo, o presidente fica só, cercado apenas dos seguidores mais fieis, praguejando contra tudo e contra todos - a imprensa, o povo ingrato, o Judiciário e os muitos traidores. Identifique a fase em que estamos.
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