Lembra daquelas cenas de refugiados recepcionados com buquês de flores assim que cruzavam a fronteira da Alemanha? Essas imagens são agora passado. Os europeus já não sabem nem se continuam a chamar os recém-chegados de refugiados. Dos cerca de 1 milhão que entraram na Alemanha ano passado, sabe-se agora, apenas 38% são sírios - o restante se divide entre uma constelação de nacionalidades que se mimetizam entre os que almejam o status de asilados depois que a chanceler Angela Merkel abriu a porteira.
Os refugiados superaram os perigos do mar mas se debatem agora em um oceano de dilemas. Vivem confinados nos abrigos e já não contam mais com o surto de simpatia da Europa, assustada com o infindável fluxo de migrantes - em janeiro, no auge do inverno, a média foi de 2,1 mil por dia. O resultado se sente nas casas e ruas europeias: o embrião de um desconforto generalizado e o crescimento de vozes e partidos de direita que se opõem às fronteiras abertas.
Muitos refugiados venderam o que tinham e entregaram seus destinos aos mercadores da morte em uma travessia para a incerteza. Uma delas é saber onde foram parar mais de 4 mil crianças e adolescentes, a maioria desacompanhada, que ingressaram na Europa em 2015 - teme-se que muitas possam ser vítimas de redes de pedofilia. Decepcionados, ex-migrantes já começam a fazer o caminho de volta. Diariamente saem voos diretos da Alemanha para Bagdá levando muçulmanos frustrados pelos dias cinzentos e frios, pela comida, pela língua incompreensível, pelo conflito cultural e pela falta de perspectivas de trabalho.
- Eu digo aos meus compatriotas: isso aqui é uma ilusão - repetia um deles ao ser entrevistado outro dia pela TV alemã no momento do embarque.
Com tanta névoa no ar, vislumbram-se pelos menos quatro cenários básicos para o desfecho da crise.
1) O fluxo continua, incessante. Neste caso, o jogo de empurra esfarela de vez a União Europeia e faz crescer a xenofobia. Com dificuldades de integração, os migrantes entram em choque com o estilo de vida ocidental, gerando um clima de desagregação em larga escala.
2) O fluxo é contido nas vizinhanças da Síria e do Iraque. É o cenário desenhado pelos líderes europeus no momento. O governo turco, irritado pelas críticas de que não está fazendo o suficiente, ameaça despachar os refugiados em ônibus e aviões para a Europa - mais de 2 milhões de sírios estão no país.
3) A Europa fecha as fronteiras entre si. Na prática, começa a ocorrer. O fluxo é desestimulado, mas ressurge em pleno inverno o drama humano de massas impedidas de avançar.
4) O cessar-fogo na Síria, negociado em Munique e previsto para se iniciar neste domingo, aplaca o fluxo de refugiados. É pouco provável porque um armistício na Síria já nasce sob o signo da descrença.
Enquanto não surge um ponto final na história, a ironia de toda essa crise é que Angela Merkel se vê cada vez mais isolada, inclusive entre ex-aliados alemães. Há menos de seis meses, ninguém imaginava que a então Rainha da Europa correria o risco de passar para a história como Angela Merkel I, a Ingênua.
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