Alguém já se disse que socialista é aquele sujeito que ainda não foi assaltado. Pode ser um exagero, mas não há nada que empurre mais cidadãos para os braços da extrema direita do que o terrorismo, como na Europa e nos EUA, ou a criminalidade desenfreada, como no Brasil. A recente vitória da Frente Nacional de Marine Le Pen nas eleições regionais francesas e a insistência dos eleitores republicanos em manter Donald Trump nas cabeças indicam que a direita radical ganha terreno pela incapacidade dos governos em tranquilizar aqueles que, antes de qualquer direito ou benesse, esperam sair de casa de manhã e voltar vivo à noite.
No Brasil sem terrorismo, a marcha para a direita mais exacerbada vem perdendo a inibição e avançando principalmente pela inércia do aparato público em conter o crime. A bancarrota dos modelos policial, presidiário e judicial é uma realidade para milhões de brasileiros, mas, com raras exceções, os poderes se eximem de assumir a necessidade de reviravolta do sistema.
Um exemplo: desde que a violência começou a sair de controle, no fim dos anos 80, todos os presidentes da República têm sido mais hábeis em se esquivar e passar a bola adiante do que encaminhar em escala nacional a reversão dos índices de criminalidade. Diante do vácuo, o espaço é ocupado pela pregação da força bruta e de saídas radicais, sobretudo por um sem-número de sites e pelas redes sociais. Vendo-se desamparado, o cidadão que não dorme enquanto a filha não chega é seduzido pelas respostas mágicas, ao mesmo tempo em que vibra intimamente quando a polícia passa fogo nos bandidos.
O cardápio que engorda a direita no Brasil, porém, se estende além da insegurança. Em vastas porções da população, há uma saturação com o manto de permissividade que agasalha desde a desfaçatez com o dinheiro público nos altos escalões até os protestos que se arvoram no direito de bloquear a entrada de uma metrópole.
A sensação de bagunça e descontrole só faz crescer o bolo extremista. O desejo de ordem e da força sobre todas as coisas é fermentado a cada vez que se cassa o direito de ir e vir, a cada greve de funcionários já bem pagos que se valem de usuários humildes como forma de pressão, a cada bandido recém solto que mata um inocente ou a cada vez que os direitos dos criminosos ganham mais atenção do que os direitos das vítimas.
O lento processo de revolta silenciosa esconde em seu âmago o fogo brando do rancor. Caso o poder público não cumpra de uma vez seu dever de proteger a sociedade, esse fenômeno, como ocorreu na França, está por sair das conversas nas mesas de jantar e ser destampado nas urnas do Brasil.