Com fisionomia de espanto, uma editora sueca reagiu incrédula quando certa feita tentei explicar que, no sul do Brasil, enviamos equipes de repórteres às montanhas para esperar a chegada da neve - e que, não raro, flocos esparsos são saudados com entradas ao vivo e comentários de especialistas. Para essa editora de um jornal onde a neve só vira notícia quando sua cidade é soterrada, dar atenção a nevadas equivale a transmitirmos o nascer do dia no mar de Capão da Canoa: a menos que ocorra algo muito extraordinário, neve na Suécia é um não-assunto.
Muitos editores estrangeiros também levariam algum tempo para decifrar as reportagens que fazemos no fim do ano sobre as condições das estradas - não a universal orientação sobre como evitar os horários de maior fluxo, mas sobre o estado das rodovias. Para americanos e europeus que trafegam em pistas alisadas para sempre, é difícil entender por que é necessário mandar repórteres avaliarem a buraqueira e prevenir os pobres contribuintes às vésperas de feriadões, como fez muito bem Zero Hora na edição de quarta-feira. Agora, sem nexo mesmo é tentar esclarecer por que as estradas se esfarelam por aqui: porque foram mal planejadas, porque o asfalto é de segunda, porque a verba foi desviada, porque as balanças foram licitadas mas os caminhões não são pesados e porque há funcionários de sobra numa burocracia inútil mas não recursos e gente para suar o macacão na manutenção.
Aliás, é nutrida a lista de assuntos brasileiros e gaúchos que confundiria um editor estrangeiro. Como explicar, por exemplo, que o Diário Gaúcho faz uma contagem particular sobre homicídios na Região Metropolitana porque as estatísticas oficiais nem sempre são precisas? Ou que, para não se transformar em notícia, as pessoas por aqui olham para os lados quando param em um sinal à noite ou entram com o carro na garagem? Ou que os vencimentos dos servidores atrasam e as contas são pedaladas porque os poderes públicos torram uma dinheirama sem que nada lhes aconteça? Ou que o Brasil tem 35 partidos, boa parte deles formando um amontado inexpressivo de siglas criadas para morder o dinheiro do fundo partidário ou negociar tempo de TV? E que políticos usam tempo de graça em TVs e rádios para venderem sonhos e ilusões? Ou que a lei prevê discernimento suficiente para um jovem de 16 anos votar em quem quiser mas não para ficar recluso por mais de três anos mesmo se matar alguém com agravantes de crueldade? E que a maior empresa do Brasil foi saqueada por anos sem que nada se fizesse a não ser mais negociatas? Ou que partidos e sindicatos se agarram a empresas públicas dizendo que pertencem ao povo mas as entopem de apadrinhados para se servir delas?
É duro explicar esse Brasil aos editores estrangeiros. Melhor tentar justificar o 7 x 1. E mostrar as fotos dos turistas celebrando a neve.