Zapeando nos noticiosos e documentários de televisão, nuns dias de não muita atividade que têm sido estes meus, descubro e redescubro terríveis reportagens sobre fome. A mulher rodeada de filhos aqui no nosso Nordeste, mostrando com simplicidade quando a jornalista pergunta o que está preparando na panela velhíssima:
– Água e sal e uns capins.
Essa seria a sopa dos meninos. Vi coisas dessas muitíssimas vezes, na imprensa, em livros, mas nesse dia, não sei por que, me doeu mais. Do meu cômodo posto de observadora – e o duro posto de cidadã, onerada de altíssimos impostos, contas a pagar, perplexidade e insegurança, e otimismo anêmico –, pensei que essa miséria não nasce do nada, nem da terra seca, nem dos corpos fragilizados por doenças não tratadas, mas nasce dessa falta de entusiasmo, desse quase desprezo pela busca de algo melhor, o melhor possível, para todos.
A fome, as fomes: de dignidade, a essencial. De casa, saúde e educação, as básicas. Mas – não menos importante – a fome de conhecimento, de possibilidades de escolha. Fome de confiança, ah, essa não dá para esquecer. Poder confiar no guarda, nas autoridades, nos pais e no país, e também nos filhos. Em nós mesmos, se nos acharmos merecedores.
Por aqui, detestamos a ideia de excelência, como se fosse coisa de aristocratas ou elites, quando todos deveríamos querer excelência para nós mesmos, isto é, fazer as coisas do melhor jeito que podemos.
Fome de conhecimento: não é alfabetizado quem apenas assina o nome, mas quem assina o que leu e compreendeu. De outro modo, perigo à vista. Não cursa uma verdadeira escola quem dela sai para a vida sem saber pensar, argumentar e discernir. Ou vai à escola, até termina o Ensino Médio, mas na faculdade não consegue escrever um texto básico: como passou no vestibular? Aliás, como terminou o colégio?
Por aqui, detestamos a ideia de excelência, como se fosse coisa de aristocratas ou elites, quando todos deveríamos querer excelência para nós mesmos, isto é, fazer as coisas do melhor jeito que podemos. Não é preciso ser brilhante, premiado, endinheirado, superapreciado: o pão feito com capricho, o feijão idem, a aula dada com verdade, o carro dirigido com decência, o diálogo com dignidade, a amizade com solidariedade, a família com amor e respeito. Pode ser simples, simplíssimo, mas buscamos a excelência.
Temos fome de paz e de otimismo: não creio que a violência que assola este país e nos transforma em ratos assustados seja simplesmente fruto da fome de comida, mas da falta de esperança e ânimo. Andamos descrentes pela incrível corrupção que a cada dia se revela maior, pior, mais ampla; estamos acuados pela brutalidade que transcende os limites urbanos para lugares bucólicos que antes pareciam paraísos intocáveis.
E tudo começa, como dizem, em casa: desde quando ela era uma primitiva caverna, e nós uns trogloditas um pouco menos disfarçados do que hoje, com fomes bem mais simples de satisfazer, mas, quem sabe, querendo fazer o melhor possível. Antes dos desencantos de agora. Quando, talvez, a mãe não precisasse enganar a fome das crianças com uma panela de água e sal e uns capins.