Já me perguntaram muita coisa, interessante, boba ou doida, nas entrevistas pelo país afora e até fora dele. Outro dia, porém, um professor da plateia me deliciou perguntando: "Dona Lya, que motivo devo dar a meus alunos para estudarem?". Não precisei pensar: "Ué, para não ficarem burros". Risada geral, até eu achei graça, porque era tão verdadeiro embora meio irreverente. Prefiro certa irreverência ao politicamente correto, que acho detestável, hipócrita, moralista e... burro também. Ontem, ao telefone, numa entrevista, me perguntaram por que alguém deveria ler Virginia Woolf, de quem, aliás, traduzi há muito tempo uma bela biografia e uns quatro romances. Depois a jornalista emendou: "Melhor primeiro dizer por que as pessoas deviam ler".
Contei minha resposta ao professor meses atrás. Mas expandi um pouco: acho que não se trata de dever ler, mas de exercer o direito de ler.
Isso, num país de milhões e milhões de analfabetos, é um direito do qual nem nos damos conta, e pouco nos avisam. Atenção: alfabetizado não é só o que assina o nome, mas que assina embaixo de um texto que entendeu!!!
O que importa é não ser analfabeto, não continuar ignorante, mas abrir-se ao prazer, ao luxo, de ler
O resto é empulhação. Assim, o número de analfabetos entre nós é prodigioso.
De saber ler a ler Virginia Woolf é quase um abismo, para poucos eleitos, ou que se alçaram até lá. Vamos começar com ler, simplesmente ler. Ir à escola, onde houver escola; onde houver acesso razoável à escola, sem perder várias horas ao dia no trajeto. Onde houver, melhor do que computadores onde não existe internet ou ninguém os sabe manejar, boas cadeiras e mesas, paredes sólidas, quadro-negro e o material mais elementar para se dizer "escola".
O que há nos livros que os torna tão importantes? Experiências impossíveis no cotidiano, viagens, aulas de psicologia, de história, sensibilidade e emoção, aventura, diversão e crescimento pessoal. Fazer parte de um mundo bem maior do que o nosso cotidiano. Não importa se for uma leitura num tablet ou computador. (Eu confesso que não desisto do velho hábito do livro de papel.) A literatura não vai acabar, ainda que mude sua forma de se transmitir. Nem precisamos ler literatura, muito menos clássica (a não ser na escola se ela for boa). Para quem não aprendeu a gostar, ou não tem esse dom mas tem muitos outros, ler Machado, Alencar, pode ser um tormento. Descubra o que lhe agrada ler: pode ser jornal, crônica, esporte, história, ciências, assuntos da Nasa, policiais (curto muito um bom policial), textos cômicos, o que importa é não ser analfabeto, não continuar ignorante, mas abrir-se ao prazer, ao luxo, de ler. E quem sabe um dia chegaremos a ler Virginia, seus textos elaborados, sutis, sofisticados, desafiadores. Vamos lá.