Viver é andar de conflito em conflito, buscando a harmonia que nos dê sossego ao coração sempre agitado, em raras ocasiões ancorado num momento tranquilo. Na vida pessoal ou profissional, lutamos. Buscamos. Perseguimos. Achamos, perdemos, realizamos, fracassamos, às vezes desacreditamos ou pensamos desacreditar de tudo: "Eu não acredito em mais nada", me pego afirmando – era mentirinha. Porque, afinal, vivemos de acreditar: que teremos comida na mesa, teto sobre a cabeça, alguém amado perto, porta para entrar e para sair, alguma ocupação e, mais do que tudo, alguma importância... ainda que para uma só pessoa.
"Com as perdas, só há um jeito, perdê-las" – escrevi certa vez, não lembro onde. Acredito nisso. Há que se persistir por algum tempo, mas há que se ter a sabedoria, ainda que rara e rala, de saber quando é hora de deixar que a corrente da vida carregue o que não pôde (ou não pode mais) ser nosso.
Alguns andam desanimados, e não é para menos. Além dos horrores da coisa pública, quando se tem algumas décadas de vida, amigos adoecem ou se vão em definitivo. Talvez a pior coisa do tempo passando seja perder amados e amigos, alguns de uma vida inteira. Mas os que ainda sobram, não apenas sobram: eles vivem, se agitam, pelo menos em emoção e pensamento, leem seus livros, veem sua televisão, convocam seus filhos, amam seus netos, lembram as amizades e telefonam ou, em geral – viva eles –, comunicam-se no WhatsApp.
E ainda conseguem ter os seus conflitos: briguinhas, fofocas indevidas, curiosidades infantis, reclamar do açougueiro, do cabeleireiro, do jornal, da TV, do filho que demora a ligar, dos netos que, vibrando em suas idades magníficas, não se lembram de que alguém, ali, vai adorar ver suas belas carinhas e se divertir com suas conversas que às vezes nem entendem. Surpreendo-me pedindo aos netos e netas que falem mais devagar ou mais alto, "porque a vovozinha aqui tá meio surda", e todos achamos graça. Brincadeira minha, e a velocidade dessas jovens e belas vidas me livra de qualquer tédio. Aliás, ando cada vez mais contemplativa. Feliz olhando a paisagem, feliz ouvindo a chuva, feliz lendo esse novo livro bastante difícil, feliz porque ainda consigo pintar nuvens e mar e até começar a escrever um novo livro... Feliz porque daqui a pouco a chave na porta de entrada anunciará que o maridão chega do trabalho.
Incrível como, a certa altura, se não formos do tipo lamuriento e resmungão, as coisas mínimas nos dão prazer: não precisamos mais visitar as ilhas gregas, andar na bela Londres, percorrer de carro a amada Itália, visitar os mais espetaculares museus, voltar aos jardins de Giverny aspirando Monet, um de meus prediletos. Ao menos, não sofremos por isso.
Ficar quieto (não demais) também é bom: curtindo o tesouro acumulado na alma – porque o que se perdeu continua ali, se a gente souber ver: os afetos, as memórias, as descobertas, as alegrias e a capacidade de novas alegrias –, por que não? Então, mesmo que o mundo ande confuso e ameaçador e estejamos quase todos mais pobres, se a gente não bobear, toda a conturbada, fascinante, assustadora, intrigante vida humana continuará se desenrolando diante de nós.
E minha lulu da Pomerânia, Melanie, deitada no tapete a meu lado, nunca deixa de me contemplar com esse ar de adoração – que já faz valer a pena iniciar o dia.