Naquela noite, como em todas as noites, frei Antônio atirou-se na sua cama de pedra coberta com aniagem e palha e tentou não pensar nela. Tinha dado suas nove voltas no claustro, rezando e tentando não pensar nela. Tinha comido o pão seco e a sopa rala no refeitório, entre os outros freires, tentando não pensar nela. Agora, na cama, a única maneira de não pensar nela era dormir. Mas frei Antônio não conseguia dormir, pensando nela. Ela se chamaria Lua. Ou Luana. Qualquer coisa assim.
Dois séculos depois:
– Bacana! – disse Luana, quando entrou no quarto.
Que era mesmo uma beleza. Tinham aproveitado as celas do velho mosteiro para fazer o hotel. O quarto era pequeno, e as paredes de pedra tinham sido mantidas. Mas a decoração era linda e o quarto não era frio, era aconchegante, bem como dizia no prospecto. Aconchegante.
– O que é aquilo? – perguntou Luana.
– Acho que era onde os monges dormiam.
– Assim, em cima da pedra?
– É, Lu. Mas a nossa cama é aquela ali...
O quarto só tinha uma janela alta e estreita, como uma seteira. Naquela noite, depois do amor (“Nunca pensei, fazer isto num mosteiro...”), Luana ficou olhando a luz da lua cheia que entrava pela janela alta e estreita.
Frei Antônio olhava a janela alta e estreita por onde entrava a luz da lua cheia. Lua. Ela se chamaria Lua. Teria cabelos loiros. Seria uma Lua loira. Senhor, que a porta se abra agora e entre uma Lua loira. Uma Lua nua. Uma Lua loira e nua. Senhor. Agora, Senhor. Lua e nua e loira... Quando finalmente dormia, frei Antônio não sonhava com ela. Sonhava com o inferno. Sonhava com o fogo do Sol. Às vezes, acordava no meio da noite, suado, e pensava: “As chamas são para você aprender, Antônio. São o seu castigo”. Mas castigo por que, se a Lua não se deitava com ele, se a Lua só existia na sua imaginação? Eu a amo e ela nunca virá. E eu arderei no Inferno só pelo que pensei.
– Imagina a vida que eles levavam, Túlio.
– Quem?
– Os monges. Deviam ficar ali, deitados na pedra, coitadinhos...
– Pensando em mulher.
– Será? Acho que não. Tinham escolhido uma vida
sem mulher. Sem sexo.
– Falando nisso, chega pra cá, chega.
– Não. Para. Como seria o nome dele?
– De quem?
– Do monge que vivia nesta cela?
– Sei lá. Isto aqui deixou de ser mosteiro há uns cem anos...
Luana ficou pensando no último monge que ocupara aquela cela. Como seria ele? Passou a imaginá-lo. Imaginou-se entrando na sua cela e deitando-se com ele. Assim como estava, nua. Ele a expulsaria da sua cama de pedra? Pobrezinho.
Frei Antônio sentiu que havia outro corpo com ele na cama. Sentiu seu calor. Mas não abriu os olhos.
Não virou a cabeça. Estava sonhando, claro. Tinha medo de abrir os olhos e descobrir que não havia ninguém ali. Tinha medo que o calor fosse embora. Ouviu uma voz de mulher perguntar:
– Como é o seu nome?
– Antônio. E o seu?
Mas não houve resposta. Frei Antônio abriu os olhos e viu a luz da lua cheia saindo pela janela, como se fugisse.
– Antônio...
– Ahn?
– O quê?
– Você disse “Antônio”.
– Eu? Tá doido?
– Estava sonhando com quem?
– Com ninguém.
– Chega pra cá, chega.
– Ó, Túlio. Você só pensa nisso?
– É que, sei lá. Este quarto está carregado de sexo.
Tem sexo escorrendo pelas paredes. Você não sente?
– Não.
– Já sei! Vamos fazer amor na cama de pedra.
– Não. Na cama dele, não.