Encerrou suas atividades há pouco o StudioClio, um milagre que sobrevivia desde 2005 na José do Patrocínio com a Alberto Torres, coração da Cidade Baixa. O principal responsável pelo milagre foi Francisco “Chico” Marshall, professor de História Antiga na UFRGS e um ativista cultural de primeira qualidade.
Sua sede era uma casa antiga, de esquina, propriedade de sua família. Ali, o Chico conseguiu configurar um auditório para umas cem pessoas, com um pequeno palco, capaz de abrigar um conjunto de câmara, uma pequena banda, conferencistas e debatedores. Programação finíssima. Espetáculos de música inesquecíveis – como os shows de verão do Yamandu Costa, para lembrar apenas um caso – alternavam com outra das invenções notáveis do lugar, almoços e jantares culturais, em que a comida – bolada e produzida por chefs – era concebida segundo a pauta da conferência.
Pessoalmente, fui um entusiasta desde antes da abertura. Como outros colegas, tive contato com o projeto ainda na construção do espaço. O entusiasmo do Chico era contagiante, e ele soube ter a serenidade e a pertinácia essenciais para que tudo aflorasse do melhor modo. Depois, ministrei cursos e oficinas ali, assim como fui um frequentador de sessões inesquecíveis de música, ópera, pensamento.
As dificuldades de financiamento do local foram se avolumando e a pandemia jogou a pá de cal. Sem saída, restou ao Chico encerrar o Clio, em sua encarnação naquela esquina memorável. (Mas algo novo vai pintar em seguida.)
Nem vou pensar no tanto de gente que tem dinheiro e boa formação mas não se dispõe a oferecer ao público qualquer coisa parecida. Quero é deixar aqui, ao lado da minha lamentação pelo fim do Clio, minha indagação desolada: por que é que a maior parte das elites de dinheiro não se dispôs a ajudar o Clio a sobreviver? Por que uma gente que gasta dezenas de milhares de reais (ou de dólares) em carros brucutus do ano e viagens a Miami e a outros infernos não se sensibilizou em ajudar a cultura a manter-se à tona d’água? Por que sequer um desses nababos da cidade e do Estado aportou dinheiro que lhe sobra para manter funcionando o Clio?
Mas este texto tem a função de fazer o maior elogio possível ao Chico, a sua vontade de realizar, a seu interesse em mobilizar a cidade para causas boas do campo da cultura exigente, a sua gentileza cidadã, a sua capacidade de navegar no mar borrascoso do financiamento privado da cultura. Chico: a melhor memória da cidade, neste começo de século, jamais esquecerá o teu gesto.