Se o prezado leitor não leu ainda, sugiro que leia o romance Torto Arado, de Itamar Vieira Junior (editora Todavia). Vai ter uma experiência forte de leitura. Forte assim: um romanção, com personagens marcantes e nítidas, num enredo que atravessa o tempo de uma vida, mas se espalha para recuperar histórias de gerações anteriores.
São duas protagonistas, Bibiana e Belonísia, irmãs, numa família do mundo rural arcaico (a epígrafe, por sinal, foi tirada de Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, outra joia da narrativa de tema rural no Brasil), tendo como centro uma fazenda, no sertão úmido (interior da Bahia, Chapada Diamantina), que tinha escravos no tempo da escravidão legal e continua tendo escravos no presente.
O autor é geógrafo e funcionário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e trabalha com comunidades quilombolas e indígenas. De família pobre, ele conta que começou a escrever literatura ainda jovem, mas que perdeu manuscritos e foi desestimulado explicitamente porque a família se mudava constantemente e aquilo era visto como coisa inútil. Pois ocorreu que ele ganhou, com o original deste romance, um prêmio de gente grande, em Portugal, e depois foi publicado no Brasil. Precisava dessa volta?
O romance carrega traços da velha e ótima tradição narrativa brasileira que quer dar a ver o que ainda não se conhece. Mais precisamente: quer mostrar para o Brasil litorâneo o que o sertão vive rotineiramente. (“Sertão” não precisa ser lá nos cafundós; um romance como Os Supridores, de José Falero, conta uma história de sertão dentro de Porto Alegre, ao dar protagonismo para dois rapazes que trabalham repondo mercadorias nas prateleiras do súper que o senhor, a senhora e eu frequentamos distraidamente.)
As soluções de arquitetura narrativa de Itamar Vieira Junior são sábias e encantadoras. Tratam com delicadeza e altivez a vida de miseráveis que a estrutura social trata como descartáveis. Uma pérola, aliás, um diamante da recente literatura brasileira.