Li agora, com 15 anos de retardo, uma biografia, ou um estudo biográfico, que não perdeu atualidade – Ronaldo, Glória e Drama no Futebol Globalizado, de Jorge Caldeira (editora 34/Lance Editorial). Comprei em sebo, claro, com relativa facilidade.
Do autor preciso dizer que se trata de um sujeito cuja obra se avoluma em qualidade, há já duas décadas. Sociólogo de formação, com mestrado na área e doutorado em Ciência Política (pela USP), mas jornalista desde jovem, com uma série de passagens relevantes na imprensa paulista, quer dizer, brasileira. Cabe acrescentar que aqui, como em toda sua sempre interessante produção, Caldeira tem uma tese de fundo: mostrar como há sabedoria prática no povo brasileiro, mesmo o mais iletrado (como é o caso do protagonista aqui), sabedoria que provém, em última análise, da experiência mestiça brasileira, entre lusos, ameríndios e afrodescendentes. (Digo isso e vejo que está impreciso, mas é preciso avançar na resenha, e isso aqui não é uma tese acadêmica.)
O Ronaldo que conhecemos, que fracassou rotundamente na Copa da França, quando virou um tema nacional – não teve nenhum ataque epilético, como Caldeira mostra com detalhes –, e que deu uma das maiores voltas por cima de todos os tempos na Copa da Coreia e do Japão, quando matou os alemães em dois gols fenomenais, esse mesmo, é o centro de um relato que combina o desenho de sua trajetória, desde a infância até aquele momento, 2002, com uma descrição sensacional dos mecanismos que alteraram a face do futebol em todo o planeta – quando ele deixou de ser uma coisa para ser outra, esta que é agora, um negócio mundial de ponta.
Os pequenos e grandes horrores do futebol brasileiro, em sua estrutura mais profunda assim como em seu varejo da vida de um jogador concreto, aparecem desnudados aqui, especialmente pela inteligente comparação entre o que era (e ainda é) o futebol aqui e o que era e é o basquete profissional estadunidense.
Sem querer menoscabar a imprensa esportiva brasileira, deve-se dizer que o livro, em sua narrativa ampla e detalhada, nos explica os mistérios da transição ocorrida nos anos 1990, que permanecem obscuros para grande parte da rotina brasileira.