Enfim, o futebol se moveu, saiu da bolha. O pronunciamento de Cuca depois de golear o Londrina na estreia pelo Athletico-PR, enfim, trouxe uma manifestação em que ele não olhou para si, mas para as mulheres. Mais, jogou luz sobre o tema tão urgente que é a violência contra a mulher, o respeito e o reconhecimento de que elas são livres e podem estar e fazer o que quiserem. Demorou, mas enfim o século 21 entrou em campo.
A atitude de Cuca é para ser saudada. Não vai mudar a participação dele no estupro coletivo a uma garota de 13 anos por quatro jogadores do Grêmio, em Berna, no distante 1987. Muito menos reparará o que passaram a vítima, já falecida depois de uma tentativa de suicídio, e sua família e amigos. Mas temos de valorizar que ele, enfim, teve dimensão do estrago que fez e, em vez de negá-lo, decidiu se engajar na frente de batalha para evitar que novas Sandras tenham suas vidas atormentadas. E que novos jovens como aqueles quatro de Berna entendam que um momento de prazer, sem consentimento, é para uma mulher uma vida de dor.
Cuca foi sincero. Estava visivelmente nervoso e, antes de iniciar, avisou que leria o pronunciamento. Afinal, disse, não era bom com as palavras, ainda mais para tratar de um tema tão sensível. Ele leu a folha de papel A-4 que tinha em mãos. Este trecho mostra que ele decidiu encarar o passado que a sociedade, machista, e o futebol, mais machista ainda, tinham permitido que ele estacionasse sob o tapete:
— Eu escolhi me recolher durante muito tempo, mas consegui seguir a minha vida, enquanto uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir a vida dela sem permanecer machucada, carrega o impacto para sempre. Eu consegui seguir minha vida. O mundo do futebol e o mundo dos homens nunca tinha me cobrado nada, mas o mundo está mudando e eu acho que é para melhor.
Cuca disse ter escrito o texto com a ajuda da mulher e das filhas. No período em que ficou fora do futebol, contou ter mais escutado do que falado sobre o tema. Aprendeu, entendeu que não é sobre o violentador ou sobre a violência, mas sobre a vítima. Mais, em seu pronunciamento, garantiu que se juntará às fileiras para combater a violência contra as mulheres, os abusos. Levantará a bandeira do respeito e busca por igualdade. Levará o tema para dentro do futebol. É preciso. Estamos falando de um ambiente machista e conservador ao extremo, que precisa de uma mudança radical em sua forma de enxergar o mundo.
Cuca deu no domingo (10) o primeiro passo. Que não fique só nesse. Vamos cobrar. Tomara que não tenha sido só um um discurso para aquietar a opinião pública e poder trabalhar em paz. Acredito, sinceramente, que não. Cuca, 37 anos depois, entendeu o que aconteceu naquele quarto de hotel em Berna.