Vai ter domingo de Gre-Nal em Barcelona também. Sem o aroma de churrasco espalhado no ar como são os domingos gaúchos, mas com a mesma expectativa que marca a espera pelo clássico. Será uma longa demora, afinal, o jogo começará aqui nas barbas do Mediterrâneo às 22h. Ninguém reclama. Primeiro, porque o jogo instituição do Rio Grande do Sul é uma ponte afetiva com as origens, amacia o coração. Depois, porque o horário é civilizado. O comum é ter de varar madrugadas para ver o time do coração em campo.
Grêmio e Inter têm o poder de reaproximar quem está longe, de criar afinidades e resgatar rotinas que foram impossíveis de colocar na mala na hora da mudança. Por isso, o Gre-Nal do Beira-Rio também será catalão. Os colorados de Barcelona se reunirão no Poblenou, um bairro que virou o queridinho aqui da cidade. O Beercelona virou o QG do consulado do Inter. O dono, um catalão sério, gostou daquela freguesia numerosa e consentiu em acolhê-los em dias de jogo, franqueando a TV para que rebatam o sinal de algum streaming que transmita partidas do Brasil. Não são muitos, aliás. Ele só impôs duas condições: barulho controlado e sem chance de ficar madrugada adentro.
Neste domingo (25), serão mais de 20. Pelo menos, esse era o número de confirmações feitas no grupo de WhatsApp que conecta os colorados. Entre eles estará Luciano Minuzzi, um gaúcho de Santiago do Boqueirão que trocou Porto Alegre por Barcelona em 2006. A final do Mundial, conta aos risos, ele viu em terras inimigas. Em dezembro, Luciano voltou a Porto Alegre depois de cinco anos. Levou os filhos Yuri e Yago, italianos de passaporte, mas nascidos na Catalunha. Deu tempo de pegar o último jogo do ano no Beira-Rio, contra o Botafogo. Os "niños" assistiram à partida na Popular. Não só isso. O pai conseguiu que, no período de férias, os dois treinassem na escolinha do Inter. Pacote completo.
Com Luciano, estará André Saavedra. Os dois se conhecem de longa data. Não é para menos. André é dono do Bistrô 41, na Barceloneta, um acolhedor bar e restaurante famoso pelos cortes de picanha servidos com arroz e feijão e pelo coloradismo do dono. Quem entra ali já identifica a paixão do proprietário. Uma placa comemorativa ao Mundial de Clubes e as mantas do Inter entre as de clubes europeus fazem parte da decoração.
— Se eu vou ver o Gre-Nal de domingo? Mas é claro. Ver o Inter me remete à minha história, me criei em Ipanema, vivia no Beira-Rio — conta André, enquanto atende no balcão.
Longe dali, mas com coração vermelho forjado desde os tempos de Eucaliptos, estará o professor Edson Otero, um dos amigos que fiz nesta passagem pela Espanha. O professor mora em Navahondilla, um "pueblito" perto de Madri. Mas, em dia de jogo do Inter, conecta-se com o filho, o publicitário Gabriel, aqui em Barcelona. Os dois trocam impressões durante o jogo, comentam, corneteiam, comemoram. A resenha segue depois, geralmente, já madrugada alta.
— Quando está longe, jamais deixa de torcer. Talvez, até torça mais que antes. Aqui, temos de ficar nas madrugadas para assistir aos jogos do Inter. Mas sou torcedor desde os Eucaliptos, de chegar às 8h da manhã no estádio nas decisões de 1975 e 1976. Madrugada é fichinha — minimiza o professor.
O adiantado da hora também está longe de ser problema para Francisco Mahfuz. Está calejado. Afinal, saiu de Porto Alegre em 2003. Morou cinco anos em Londres, se formou em Literatura e desembarcou em Barcelona em 2008. Constituiu família, virou pai de duas meninas lindas e criou raízes profundas por aqui. Porém, o amor pelo Grêmio mantém-se intocado como nos tempos do cimento do Olímpico. É através dele que mantém contato com a turma da Fabico da UFRGS e os amigos que ficaram em Porto Alegre. Quando o Grêmio joga é como se fosse dever cívico. Francisco tem seu ritual próprio, acompanha o antes, o durante e o o depois dos jogos. Muitas vezes o sinal do streaming congela, mas ele é resiliente. Tudo pelo Grêmio.
— Como os jogos tendem a ser tarde, é no mínimo uma noite mal dormida ou quase não dormida. E, se ganhamos, não consigo fazer nada nas horas livres da semana seguinte além de acompanhar a repercussão — descreve Francisco.
O santa-mariense Irineu Savegnago Júnior faz parte do consulado gremista de Barcelona. Em 2016, para conseguir acompanhar a final da Copa do Brasil, ele e um grupo de amigos convenceram o dono do bar, um brasileiro, a recebê-los para assistir ao jogo. A única condição era silêncio. Naquele período, pelo horário de verão daqui, a diferença era de cinco horas. Por volta de 2h, eles entraram pé por pé por uma porta lateral. A turma se comportou, comentava o jogo em voz baixa. Até que veio o gol de Bolaños. Foi impossível segurar. O dono se escabelou. Eles saíram eufóricos com o fim da série de 15 anos sem títulos relevantes. Os vizinhos não reclamaram, e o dia nasceu mais do que feliz.
Conheci o Irineu aqui em Barcelona em um jogo do Europa, time da quarta divisão, para o qual fui levado pelo Francisco. No intervalo, quando fui ao bar pegar um café, estava ele lá, réplica da camisa 7 usada pelo Renato na conquista do título mundial, orgulhoso. Os domingos de futebol do Irineu têm jogo da Europa ao vivo ao meio-dia e do Grêmio no rádio ou no streaming à noite.
— Hoje, com a facilidade de acesso à informação, está mais fácil. Ruim era quando me mudei para o Espírito Santo com minha família, na infância. O único jeito de saber o resultado dos jogos do Grêmio no Gauchão era comprando a Placar na banca para conferir o tabelão. A gente sabia do resultado uma semana depois — diverte-se.
Para este domingo (25), os gremistas acabaram sem um lugar para reunir a turma do consulado e do grupo de WhatsApp. Cada um verá ao seu jeito. O Dani Júnior, que trocou Cachoeirinha por Barcelona há quase duas décadas, vai repetir a rotina de todos os jogos do Grêmio. Colará o ouvido no aplicativo da Gaúcha e acompanhará com a mesma expectativa dos tempos de infância, quando sua família se reunia para assistir aos jogos juntos, com gremistas e colorados reunidos. Hoje, um oceano e uma vida já estabelecida aqui na Espanha o separam do Rio Grande. Mas, como ele resumiu, no seu entusiasmo que é marca registrada, "o Gre-Nal é mundial". E tem sua versão catalã.