Paulinho é um jogador diferente. Com a bola e, muito mais ainda, sem ela. Tem posição definida, tem consciência social e, mais importante, tem clareza e voz para marcá-la. Paulinho incomoda zagueiros em campo e incomoda uma sociedade que insiste em jogar para trás. Neste domingo (26), contra o Grêmio, quando ele estiver com a camisa 11 do Atlético-MG, estará em campo o jogador diferenciado que foi trazido da Alemanha. Mas é impossível dissociá-lo do cidadão que pensa (algo raro hoje em dia) e usa a caixa de ressonância do futebol para defender um Brasil melhor.
Nesta semana, Paulinho virou notícia depois que uma postagem sua no Instagram foi alvo de intolerância reliogosa. Estamos, nós brasileiros, ficando craques no exercício da intolerância. É racial, é de gênero, é a estrangeiros (argentinos, em especial), é de orientação sexual, é religiosa. No caso de Paulinho, o gatilho para o ataque foi uma postagem sua, feita quando anunciada sua convocação, em que agradecia ao Atlético-MG, à família e fazia referência a Exù, um dos orixás do candomblé. Paulinho é praticante, se diz filho de Oxóssi, o orixá das matas, que representa o conhecimento e a floresta. Pois, depois da derrota da Seleção para a Colômbia, seguidores foram ao perfil do jogador para criticar sua fé e vinculá-la a algo negativo.
O candomblé é uma das heranças mais fortes da matriz africana da nossa população. Se não for a mais forte. Paulinho cresceu em uma família religiosa. A mãe e a tia eram praticantes da umbanda, uma religião afro-brasileira. Ele optou pelo candomblé e é praticante. Além de ser de uma família religiosa, o jogador também é de uma família com base sólida, que deu alicerces e ajudou a construir sua consciência. Não foi a primeira vez que ele sentiu na pele o preconceito pela origem negra, pela religião africana, pela vitória social. Ele se acostumou, como escreveu em texto no Players Tribune em julho de 2021. Se acostumou, mas não se conformou. Por isso, ergue a voz, marca posição. Sem medo. Como faz com a bola desde os cinco, seis anos.
— Como uma pessoa que tem voz, eu não posso me dar o direito de permanecer calado. De não me posicionar diante de preconceitos e negligências — escreveu no Players Tribune e repete a cada entrevista em que é abordado sobre o assunto.
Paulinho fala com segurança porque buscou informações, leu, se inteirou do mundo e procurou entender porque vivemos numa sociedade tão desigual socialmente e, igual, em comportamentos. Por isso, não condena os seus colegas de profissão que silenciaram em vez de erguer a voz. "Talvez eles não tenham informações, como eu não tinha", defende. É fato. A diferença dele para boa parte dos companheiros de classe é que ele saiu da bolha da bola e foi atrás de respostas.
Faz algum tempo que acompanho Paulinho e suas entrevistas sempre lúcidas. Na verdade nem tanto tempo assim. Porque o relógio dele parece correr mais rapidamente. Com 16 anos, estreou no Vasco. Foi o mais jovem a jogar e a marcar gol pelo clube no Brasileirão. Com 18 anos, desembarcou no Bayer Leverkusen. Com 21 foi medalha de ouro em Tóquio. Com 22, estava de volta ao Brasil. Com 23, estreou na Seleção principal. Desde os 14 anos, pouco depois de trocar o futsal do Madureira pelo campo do Vasco, frequenta as seleções de base. O chamado para a principal foi motivado por gols. Ele virou referência em um time que tinha Hulk. São 28 gols e sete assistências. É o goleador do Brasileirão, com 17.
Aliás, aqui um alerta para o Grêmio. Ele é o goleador da Arena MRV recém inaugurada. A casa nova, aliás, fez bem para o atacante. Foram oito gols nos oito jogos no estádio, e outros quatro fora dele. Ou seja, desde aquele jogo de abertura, contra o Santos, desatou a fazer gols. Dos 17 no Brasileirão, 12 vieram na Era pós-Arena MRV. Com a energia e a coragem de Oxóssi, o orixá das matas, Paulinho brilha e enfrenta qualquer defesa. E uma sociedade que, infelizmente, anda para trás.