A Baixada Santista tem uma vasta lista de orgulhos quando se fala em futebol. Pelé, claro, Coutinho, Zito, “Os Meninos da Vila”, principalmente Neymar, e o fato de o Santos ser um dos três clubes da elite nunca rebaixados. Para um clube cujo endereço não está numa metrópole, isso é mesmo para ser exaltado. Porém, nos últimos anos, os santistas têm visto seu time flertar de forma intensa com a Segunda Divisão. Seja no Paulistão ou Brasileirão, no qual enfrenta o Grêmio neste domingo, segue a cartilha que derruba os grandes.
A situação é tão extrema que a direção procurou as torcidas e pediu uma trégua. Os santistas foram apoiar o time na ida para Fortaleza, cantaram, fizeram corredor para os jogadores passarem e acenderam sinalizadores. Não deu certo. O Santos voltou do Ceará com um 4 a 0 na mala. Na semana passada, o presidente do Conselho, Celso Jatene, convocou o presidente Andrés Rueda, e seu conselho de gestão e os notáveis para uma reunião.
A pauta era um só: futebol. O objetivo era mais amplo, busca de pacificar o ambiente político e fazer com que as diferenças internas e a eleição de dezembro fossem deixadas de lado. A reunião foi tensa. Rueda, alvo de contestações, ficou na defensiva. Houve conselheiro que saiu antes do final do encontro, bufando. Em resumo, o clima político segue efervescente, e isso é um dos capítulos mais comuns nas cartilhas de rebaixamento de camisas pesadas.
Damião
O Santos chegou a esse cenário se esforçando a cada ano. São sucessivas gestões equivocadas. A mais contestada foi de José Carlos Peres, que sofreu impeachment no final do seu mandato. Ele foi acusado de fazer gestão temerária. Em seu mandato, o clube sofreu transferban da Fifa por falta de pagamento de jogadores.
Quem terminou o mandato foi Osvaldo Rollo, seu vice, que havia virado adversário político. Andrés Rueda, matemático, especializado em engenharia de sistemas e dono de empresas no ramo, surgiu como a salvação.
Ele havia perdido a eleição para Peres e iniciou o mandato dele como integrante do Conselho de Gestão. Saiu com sete meses de mandato. Para se ter uma ideia do quanto estava fracionado o clube em sua política, Rueda se elegeu vencendo quatro candidatos.
Rueda assumiu prometendo CT para a base, projeto da Nova Vila Belmiro e, principalmente, colocar as contas em dia. É nisso que ele, homem com formação nas ciências exatas e empresário de sucesso, centrou suas energias. Não era para menos.
A compra de Leandro Damião entrou para a história de um dos negócios mais malfeitos da história do Brasil. Não pelo jogador, é claro. O Santos, em 2013, pegou com a Doyen 13 milhões de euros para levá-lo do Inter. No acordo, ficou acertado que seria revendido com oferta acima de 18 milhões de euros. O Santos ficaria com 20% do que excedesse esse valor.
Um ano depois, Damião saiu livre da Vila. Ficou a dívida. Rueda, em entrevista à Tribuna de Santos, disse que agora, 10 anos depois, pagou a última parcela à Doyen. Relatório mostrado ao Conselho revelou que o clube pagou RS$ 384,7 milhões por Damião, entre 2013 e 2019.
Outra: no final de 2020, o clube sofreu transferban por falta de pagamento ao Hamburgo pela compra do zagueiro Cléber. Havia risco até de perda de pontos. Rueda, a época apenas conselheiro, emprestou R$ 16,5 milhões.
Por heranças como essa, a dívida segue alta. O clube deve R$ 600 milhões. O que ele conseguiu foi leve redução nas contas de curto prazo, de R$ 312 milhões para R$ 289 milhões. O CT, avisou Rueda, ficará para o próximo presidente.
O acordo com a W Torre para a Nova Vila, ele prevê assinar ainda neste mês. O time, garante, eliminará, logo, o risco de rebaixamento. O futebol é alvo da oposição. Segundo adversários, Rueda já disse mais de uma vez que as organização das finanças é prioridade.
O que, talvez, se comprove nas séries de mudanças que faz no vestiário. Diego Aguirre é o terceiro técnico neste ano, o oitavo na gestão. Para evitar a queda, Rueda foi ao mercado.
Trouxe Nonato, ex-Inter, Jean Lucas, ex-Monaco, o lateral-esquerdo Dodô, o atacante argentino Julio Furch, o zagueiro João Basso e, nesta semana, o volante venezuelano Tomás Rincón, 35 anos. O dinheiro vem das vendas das joias Angelo e Deivid Washington ao Chelsea, por 30 milhões de euros.
Maros Leonardo também teve proposta, da Roma, mas ela foi recusada. Ele se rebelou e ficou alguns dias sem treinar. Mas voltou nesta semana e foi tratado como reforço por Gallo, o novo diretor técnico.
A torcida, na esperança de melhores dias, esgotou os ingressos para este domingo. Será o primeiro jogo com público desde a punição pela invasão de campo contra o Corinthians.
Há uma mobilização em Santos para sair das sombras. Nos últimos 19 jogos, o time venceu apenas uma. Foi contra o Goiás, 4 a 3, com pênalti nos acréscimos. O que é pouco para manter o orgulho de nunca ter caído.