Houve dor na quarta-feira, no Beira-Rio. Muita dor. A eliminação para o América-MG veio com traços de crueldade. Pelo roteiro do jogo, em que sinalizou uma virada épica no primeiro tempo, pelo roteiro incomum dos pênaltis, em que aquele que errou valeu e o que entrou não valeu. Soma-se a tudo isso o peso de 12 anos sem conquistas relevantes.
E é neste ponto que quero me deter. São 12 anos e uma perspectiva de dificuldade para evitar que se tornem 13. O longo período sem títulos, o sofrimento encadeado, tudo isso só reforça uma percepção que tenho do futebol brasileiro: os grandes clubes vivem de ciclos.
A história recente mostra que o torcedor vive a paixão pelo seu time como se estivesse numa grande montanha-russa. O ganhador de hoje, lá na frente, será o sofredor de amanhã. Os ciclos são longos. A explicação para isso é estarmos ainda no modelo associativo.
Mesmo que tenhamos evoluído muito em gestão nos últimos 20 anos e aberto as portas para executivos buscados no mercado, ainda conservamos uma estrutura centrada nos dirigentes políticos.
São apaixonados e, quase sempre, abnegados. Colocam o seu tempo à disposição do clube, se afastam da família, entregam o domingo e o resto da semana ao futebol. É como se a vida fosse sorvida de canudinho, à espera da recompensa das grandes conquistas. Que mais falham do que chegam.
O ponto é que essas grandes conquistas não são construídas de um dia para o outro. Aliás, nem de um ano para o outro. Os clubes brasileiros vencedores nos últimos 20 anos parecem seguir um mesmo roteiro. Eles se afundam até decidem brecar a descida. Se organizam e criam processos austeros de ajustes de contas.
Nesse cenário, buscam soluções nas categorias de base e lançam garotos. Alguns desses jovens jogadores se afirmam e são vendidos por milhões de dólares. Esse dinheiro, com o ajuste de contas, dá fôlego financeiro e reforça a organização administrativa. O caixa passa a oferecer alguma receita para contratar.
Roteiro
Com tudo no lugar, o campo também dá resultado. As conquistas vêm. É o céu. Porém, o sucesso cobra preço. A cotação de um jogador campeão é maior, assim como o seu salário. Os custos aumentam. Esse é preço tangível.
Há outro preço, intangível, que acaba por corroer a estrutura: a vaidade. Quem está no comando ganha destaque, e esse lugar de destaque começa a ser cobiçado por outros dirigentes da base. Logo, o que era uma unidade política começa a se fracionar. A política passa a borbulhar. Assim como um clube organizado reflete no campo, um clube convulsionado, também. A estrada, assim, começa a ficar íngreme outra vez, para baixo.
A chegada das SAFs pode ajudar a mudar esse roteiro. Não que todos os clubes tenham de se entregar a investidores e mandar seus dirigentes de volta à arquibancada. Porém, o novo modelo pode mostrar aos clubes associativos que o planejamento estratégico precisa ser seguido como lei em um clube. Seja quem o assuma, de situação ou oposição, os caminhos estabelecidos jamais podem ser desviados.
Não há atalhos para chegar às conquistas de forma sustentável. Ou se trabalha e se mantém a meta fixa no horizonte, ou se perderá tempo até recomeçar. O Cruzeiro, de Ronaldo, tem tudo para ser o grande modelo.
Quando assumiu o clube, no começo de 2022, avisou que se iniciava, ali, um trabalho de oito anos até que o clube reassumisse seu lugar no cenário brasileiro. Vale também isso para o Botafogo, para o Vasco, outros dois gigantes que viraram SAFs, porém, com injeção de dinheiro estrangeiro. Mesmo com o caixa mais forrado, o tempo é o mesmo.
O filme que se repetiu no Beira-Rio, na quarta-feira, me parece mais um capítulo desse ciclo de recuperação pelo qual passa o Inter. O torcedor, é claro, enxerga o resultado e sente, na alma, a dor aguda da derrota. As frustrações têm vindo em série desde 2016: rebaixamento para a Série B, vice da Copa do Brasil e do Brasileirão, eliminações para clubes menores nas Copas, derrotas sequenciais em Gre-Nais, sete anos sem taça do Gauchão.
A dor faz parte do processo. Desde que, é claro, ele seja de retomada, de reorganização financeira e de novos métodos que se perpetuem no clube. Só dessa forma, olhando para dentro de si, é que se consegue iniciar um novo ciclo.